Em livro, Dawisson Belém Lopes conta a história social da política externa brasileira
Publicada pela Editora UFMG, obra analisa como os 200 anos de relações internacionais moldaram, em diálogo com a conjuntura doméstica, a posição ocupada hoje pelo Brasil no cenário global

Por que a política internacional das nações é tão importante? Talvez porque, tal como afirmou o poeta inglês John Donne sobre o homem, nenhum país é uma ilha – ao menos metaforicamente falando. Para seguirem existindo, as nações, assim como os homens, precisam estabelecer relações transacionais e de cordialidade entre si e cuidar continuamente delas, flexibilizando dialogicamente o caráter supostamente absoluto de suas autonomias – os acontecimentos em Israel, Gaza, Irã, Rússia e Ucrânia são exemplos trágicos da não observância desse preceito.
“A autonomia do Estado – isto é, a capacidade de gerar a própria norma de conduta no plano internacional –, no marco de uma sociedade internacional, é sempre contingente”, demarca o cientista político Dawisson Belém Lopes, professor do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich). “No âmbito das relações entre Estados, não há ‘super-homem nietzschiano’ nem ‘imperativo categórico kantiano’ possível. Nenhum ator nacional comporta o ônus da ação moral autárquica ou puramente auto-orientada”, garante o professor de política internacional e comparada da UFMG.
Dawisson acaba de lançar, pela Editora UFMG, o livro De Bonifácio a Amorim: elementos de uma teoria social da política externa brasileira. Nele, o autor percorre 200 anos da nossa política internacional – mais precisamente, o período compreendido entre 1822, ano da Independência brasileira, e os dias atuais – buscando entender como as decisões tomadas pelo Brasil nos momentos-chave do período colaboraram para moldar a posição ocupada hoje pela nação no cenário global. O que o autor busca demonstrar é que a política internacional brasileira foi feita mais de continuidade e acúmulo cultural do que de rupturas e mudanças bruscas de rota.

“Os traços mais ou menos permanentes da conduta brasileira nas relações exteriores firmaram-se nas décadas – e séculos – de interação com a sua sociedade e com as demais sociedades nacionais ao redor do mundo”, afirma o autor na introdução de sua obra. “Há bons indícios de que as permanências bisseculares estão ao alcance do olho nu”, registra. Mais do que por meio de documentos e diretrizes, as ideias e normas que regeram essa continuidade, avalia o professor, foram transmitidas sobretudo pelas pessoas que ocuparam a chancelaria nacional, “personagens que, geração após geração, construíram uma nação”.
Basilares e balizadores, dois desses nomes tematizam a linha de continuidade e acúmulo exposta pelo livro: o patrono da Independência José Bonifácio de Andrada e Silva, ministro do Reino e dos Negócios Estrangeiros de janeiro de 1822 a julho de 1823 (o primeiro a exercer a função no Brasil pós-Independência), e Celso Luiz Nunes Amorim, o grande chanceler brasileiro do século 21, nome que por mais tempo cumulativo esteve à frente do Ministério das Relações Exteriores (nove anos e cinco meses, portanto mais que o lendário Barão do Rio Branco, o grande nome do meio desse caminho, “ponte entre dois mundos”, como lembra Dawisson). “Amorim ainda serviu como ministro da Defesa da presidente Dilma Rousseff, tornando-se, na história moderna do país, o brasileiro com maior tempo de permanência em cargos de ministro de Estado”, lembra o autor.
Desde janeiro de 2023, Celso Amorim é assessor-chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, atuando como conselheiro de política externa. De lá para cá, o diplomata fez uma série de viagens com e sem o presidente Lula para países como Rússia, China, Turquia, Ucrânia, Alemanha e Venezuela, entre vários outros, buscando estreitar laços com parceiros estratégicos e inserir a perspectiva brasileira em agendas de negociação internacionais, em particular as relacionadas à busca pela paz nos conflitos ora em curso.

Teoria social da política externa
Em seu livro, Dawisson faz uma abordagem interdisciplinar e sobretudo sociológica da política externa brasileira, contemplando, entre outras, “variáveis econômicas, culturais e institucionais”, como lembra Andreza Aruska de Souza Santos, diretora do King’s Brazil Institute, do Reino Unido, na contracapa do volume. “Dawisson articula as muitas descobertas que fez nas suas pesquisas das últimas duas décadas sobre a política externa brasileira, avançando ao elencar os fundamentos de uma necessária teoria social da política externa brasileira pós-diplomática”, complementa Carlos Aurélio Pimenta de Faria, titular da cátedra Rio Branco da Universidade de Oxford, no Reino Unido. Parte significativa dos achados da obra de Dawisson é fruto do estádio pós-doutoral realizado por ele na universidade britânica entre 2022 e 2023.

“Quando se torna independente, e passa a contar com o reconhecimento dos pares, [um país] precisa produzir uma política externa. Tem de estabelecer um conjunto de princípios e procedimentos para o relacionamento com os de igual estatuto. O processo não acontece da noite para o dia; vem pelo acúmulo. Desse acúmulo, identifica-se um padrão”, explica Dawisson, para quem política exterior é necessariamente cruzamento do doméstico com o internacional, a despeito de o meio acadêmico – e também a imprensa, registre-se – frequentemente tratar de maneira dualista os dois planos. “O que acontece fora das fronteiras, repercute dentro. O que se passa dentro, irradia para fora. Invariavelmente, porém, a dimensão doméstica é subestimada nas análises das relações internacionais”, insiste o autor.
Dawisson parte desse truísmo para sustentar a pertinência de sua proposta de elaborar uma teoria da política externa brasileira atravessada pela perspectiva social. “Há pouca teoria social da política externa. É mais encontradiço o olhar que avalia a esfera internacional de forma descolada da política interna. Abordagens voltadas para palavras e atos institucionais de presidentes ou chanceleres desconsideram, com razoável frequência, os elementos capitais da produção social da política exterior – a economia, a cultura, as instituições, a religião, os valores comportamentais”, afirma. Insurgindo-se contra essa tradição, o autor busca intercalar essas duas perspectivas – o doméstico e o internacional – em todas as análises que faz, ao longo dos capítulos da obra.
Organização da obra
O livro está organizado em sete capítulos, entre introdução e conclusão. No fim de cada um, Dawisson insere um estudo de caso referente a um aspecto do contexto brasileiro. O primeiro capítulo apresenta os parâmetros estabelecidos pelo autor para seu avanço na formulação de uma teoria social da política externa brasileira. Os elementos dessa teoria, propriamente, são apresentados no sétimo capítulo. “Esse é o estágio mais ambicioso do empreendimento e, naturalmente, onde todo o esforço prévio se rematerializa, de uma forma mais organizada, ganhando contornos mais ou menos definitivos”, explica o autor na introdução do volume. Entre esses dois capítulos de abordagem mais geral, cinco capítulos mais específicos fazem avançar as reflexões do autor.
O segundo está centrado nos fundamentos aristocráticos da política externa brasileira; o terceiro, nos seus fundamentos oligárquicos. O quarto trata do “peso paquidérmico” das instituições brasileiras – e do Itamaraty, mais particularmente –, buscando compreender qual o impacto dessa “ossatura institucional” na construção da política externa brasileira. O quinto, motivado pela expansão do Brics ocorrida em 2024, versa sobre o caráter “cambiante” dos alinhamentos internacionais de nossa política internacional. O sexto, por seu turno, reflete sobre “a diplomacia do conhecimento” como “grande estratégia nacional” e sobre o declínio vivido por esse modelo de diplomacia em determinado momento recente de nossa história.

Com efeito, Dawisson não se furta lembrar e repassar, no livro, um dos períodos mais constrangedores da política internacional brasileira: a presença, durante os dois primeiros anos da presidência de Jair Bolsonaro, de Ernesto Araújo à frente do Ministério das Relações Exteriores, sucedido pelo diplomata Carlos França (“ambos sem uma reputação profissional estabelecida antes de assumirem o cargo de chanceler”, descreve, com elegância, Dawisson no volume). No período, várias heterodoxias foram cometidas: agentes de fora da carreira diplomática, por exemplo, “foram considerados para a chefia de embaixadas em uma frequência sem precedente desde a profissionalização do serviço externo do país”, lembra o autor, que também faz referências ao inédito atravessamento religioso visto, no período, na política externa da supostamente laica nação brasileira.
Na apresentação do livro, o jurista, diplomata e economista brasileiro Rubens Ricupero, uma das grandes referências brasileiras em política internacional, elogia o modo didático com que Dawisson concebeu sua obra. “O autor consegue se sair com brilho do desafio quase intransponível: o de produzir estudo denso, de irrepreensível rigor acadêmico, sem perder a legibilidade do texto e o atrativo com que ele flui com agradável naturalidade”, escreve o ex-ministro, que já foi representante do Brasil em Genebra, na Suíça, e embaixador do país em Washington, nos EUA, e em Roma, na Itália. Ricupero afirma que se trata de um livro “acessível a qualquer leitor culto interessado nas questões externas”, e não apenas a diplomatas. “Dawisson escreve de forma ágil, com frases curtas, vocabulário emprestado às artes, à literatura. Suas imagens estimulam o leitor pelo surpreendente dos ecos literários ou sociológicos”, pontua.
O autor
Professor de política internacional e comparada na Fafich, Dawisson Belém Lopes é autor de vários livros sobre temas políticos e internacionais, entre eles Política externa na Nova República: os primeiros 30 anos (Editora UFMG 2017) e Política externa e democracia no Brasil (Editora Unesp, 2013), dos quais De Bonifácio a Amorim se entende como continuidade, ampliação e, ao mesmo tempo, síntese, na opinião de seu autor. Em sua trajetória no exterior, Dawisson foi pesquisador visitante no Instituto Alemão de Estudos Globais e de Área (Giga), em Hamburgo, na Alemanha (2013), na Universidade Católica da Lovaina, na Bélgica (2016), e na Universidade de Oxford, no Reino Unido (2022 e 2023).
Paralelamente à sua atuação docente, Dawisson ocupa o cargo de diretor do Escritório de Governança de Dados Institucionais (EGDI) da UFMG. De 2018 a 2022, ele foi diretor-adjunto de Relações Internacionais da Universidade.
Livro: De Bonifácio a Amorim: elementos de uma teoria social da política externa brasileira
Autor: Dawisson Belém Lopes
Editora UFMG
R$ 85 / 373 páginas
Entrevista / Dawisson Belém Lopes
‘Reciprocidade é princípio basilar da diplomacia internacional’
As últimas semanas expuseram um desafio, ao que parece, inédito para a diplomacia brasileira, com a carta publicada no dia 9 de julho pelo presidente estadunidense Donald Trump. Nela, ele associou a aplicação de uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros a serem exportados para os EUA a partir de agosto ao fato de o judiciário brasileiro conduzir um julgamento em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é réu. ("Esse julgamento não deveria estar ocorrendo. É uma caça às bruxas que deve acabar IMEDIATAMENTE!", escreveu Trump na correspondência, que não chegou a ser enviada ao Brasil pelos canais diplomáticos oficiais, e sim apenas postada nas redes do presidente estadunidense.)
Entre especialistas, a investida de Trump, resultado de um lobby feito pelo deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro junto ao governo americano, foi lida como “maligna e megalomaníaca” (Paul Krugman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia) e de claro “viés político” (Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central), assim como desprovida de qualquer justificativa econômica plausível. Politicamente, o que assustou, mas não surpreendeu, foi o fato de uma medida econômica negativa ao Brasil ter sido fomentada publicamente por políticos brasileiros. Pelo lado do governo, a ação de Trump – e, por consequência, de seus fomentadores – foi lida como uma investida contra a soberania nacional.
Na entrevista abaixo, Dawisson analisa o cenário à luz de seus conhecimentos da diplomacia brasileira.
Ao repassar os 200 anos de política internacional que você aborda em seu livro, é possível encontrar alguma ocorrência histórica que, ao menos de longe, faça paralelo com o que ocorreu neste mês?
Primeiramente, em relação ao certo “ineditismo” das tarifas majoradas que talvez venham a ser aplicadas aos produtos brasileiros importados pelos estadunidenses, defendo que não se deve exagerar no "presentismo". Não necessariamente estamos vivendo algo nunca antes experimentado pela política brasileira. Só para dar um exemplo palpável, lembro do caso que envolveu a reserva de mercado para computadores no Brasil na década de 1980. Na ocasião, o Brasil aplicou uma regra segundo a qual a indústria dos computadores deveria usar apenas insumos nacionais; com isso, o mercado seria estritamente nacional, não haveria importação de produtos. Na época, os Estados Unidos nos retaliaram por isso: sanções de natureza comercial aplicadas pelo governo Reagan afetaram frontalmente a indústria automobilística brasileira. Foi uma retaliação cruzada. Então eu não acho que estejamos autorizados a dizer que nada parecido jamais foi enfrentado nesse sentido. Em outros momentos da história, o Brasil também teve de se haver com os efeitos colaterais de algumas de suas decisões, e a relação entre os EUA e o Brasil, especificamente, já teve outros momentos de estremecimento.
Com as alíquotas a nos ameaçar, Trump é capaz de empurrar o Brasil para as cordas, colocar-nos em sinuca? Qual o poder, pragmaticamente falando, desse tipo de investida, no contexto da relação EUA-Brasil?
A julgar pelos últimos passos tomados pelo chefe de Estado dos Estados Unidos, temos boas razões para acreditar na hipótese de que ele vá recuar, isto é, que ele não vá implementar efetivamente essa sobretaxação a produtos brasileiros. Mas imaginemos que Trump leve a cabo essa proposta. Mesmo nesse contexto, o impacto sobre a economia brasileira é diminuto, como já foi calculado por especialistas. Seria algo equivalente a menos de 2% do PIB nacional. Assim, mesmo sem entrarmos no mérito simbólico da questão, nunca se justificaria, economicamente falando, que o Brasil acatasse passivamente uma ingerência do governo estadunidense nos nossos assuntos [jurídicos, políticos etc.] domésticos. Nem da perspectiva econômica se justificaria esse tipo de ação, muito menos da perspectiva do estado territorial soberano chamado Brasil.
Tomando-se por base a tradição estabelecida pela diplomacia brasileira ao longo de sua história, o Brasil tem acertado na resposta dada ao problema? Dito de outro modo, a reciprocidade é a resposta correta à questão ou um caminho alternativo seria possível e profícuo?
Em várias geografias do planeta, e por vários meios, Donald Trump vem tentando impor algumas de suas condições, e os estados têm reagido – haja vista os casos de Canadá, México e China – com base na ideia de reciprocidade, que é um princípio basilar da atividade diplomática internacional. O Brasil só tem esse caminho; não há outra possibilidade. É claro, e aqui faço uma ressalva, os diplomatas seguirão trabalhando, seguirão defendendo uma visão mais técnica, e tentando chegar a bom termo. Mas nesse primeiro momento, é impensável que o Brasil recue. O Brasil foi ameaçado e sofreu uma violência, da perspectiva internacional, de modo que não cabe às suas autoridades acatar passivamente. Neste primeiro momento, deve-se tentar restituir o equilíbrio da relação. Num segundo momento, os diplomatas poderão tratar em bases mais técnicas, politicamente mais neutras, do tema.
Foi publicado, nesta terça-feira, 15, o decreto referente à questão da reciprocidade. Qual é o papel de um documento como esse?
Esse não é um documento endereçado aos EUA. É evidente que o elemento que desencadeou o processo e que figura como seu pano de fundo é essa rusga entre Trump e o governo brasileiro (mais especificamente, entre Trump e o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes), mas não se trata de uma diretriz ou de um conteúdo normativo específico para os Estados Unidos. É uma legislação que dá margem para que o presidente atual invoque a reciprocidade todas as vezes em que o Brasil for ameaçado e posto contra a parede. O documento trata de forma abstrata do assunto.
Esse tipo de documento, para vir a lume, passa antes por uma instância de diplomacia, ou sua concepção é meramente política? O Itamaraty participa da composição desse tipo de documento, ou isso é algo que cabe mais à fazenda e aos demais ministérios da administração mais central do governo?
O Itamaraty certamente contribuiu e foi ouvido, mas essa discussão (e aqui eu retomo a questão de uma pergunta anterior), neste momento, ainda é rentável da perspectiva político-eleitoral. As pesquisas de opinião que começam a ser divulgadas mostram um incremento da popularidade de Lula em meio a essa crise com os Estados Unidos. Minha aposta é a de que, enquanto esse tema se mantiver rentável [politicamente], enquanto esse tema aumentar a popularidade e a intenção de voto em Lula, ele [o tema] não vai ser tratado por diplomatas; ele deverá continuar sendo explorado por uma angulação favorável ao presidente e ao seu governo. Só num segundo momento essa conversa assumirá uma natureza mais técnica.
Em cenários político-econômico-diplomáticos como o que se instaurou neste mês, ocorre um esforço do Itamaraty de intensificar conversas com outros mercados internacionais, seja com a intenção de abrir novos canais de comunicação para tentar encaminhar dialogicamente a crise, seja com a intenção objetiva de se tentar fomentar a abertura de novos canais de escoamento para a nossa produção? Esse tipo de ação mais focada na dimensão econômico-transacional, em vez de política, cabe também ao Itamaraty, ou fica mais com outras pastas?
Ótima pergunta. De fato, com a ameaça da sobretaxação a produtos brasileiros, o que deve acontecer em sequência é o que os especialistas em comércio exterior chamam de “desvio de rota”: o comércio que ocorria entre exportadores brasileiros e importadores estadunidenses deve passar a ocorrer com outros países de parte a parte. O Brasil vai passar a vender para outros mercados; já os EUA encontrarão meios para produzir internamente ou vão buscar fornecedores em outro país. Especificamente, o Brasil tenderá a ampliar a sua procura por novos mercados para os seus produtos no Oriente Médio, no Sul da Ásia e no Sudeste da Ásia; talvez até na própria América Latina, na África e na Europa. Mas certamente a diretriz é a diversificação. O interessante a notar é o seguinte: no caso brasileiro – em que, como eu disse anteriormente, o impacto [econômico] não é tão alto para as contas nacionais –, o país tenderá a perseverar numa direção que já foi apontada no início desta gestão presidencial, que é a da diversificação de mercados.
Mas, no que diz respeito a essa busca por diversificação: essa é uma tarefa mais exclusiva do Itamaraty?
Essa não é uma tarefa que caiba exclusivamente ao Itamaraty. Quero fazer uma menção honrosa ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Esse órgão tem tido uma atuação relevante na abertura de novos mercados para o Brasil – o Mapa cede técnicos ao Itamaraty, que atuam sob a denominação de “adidos agrícolas”. Esses adidos têm atuado mundo afora na promoção do agronegócio brasileiro. Isso é algo que já acontece há algum tempo, e, neste governo, tem acontecido com razoável intensidade.
Para terminar, fale um pouco sobre as possibilidades e sobre as limitações da chancelaria em um momento como este: o que cabe e o que não cabe à diplomaria brasileira realizar nesse tipo de situação?
O Ministério de Relações Exteriores do Brasil, se considerarmos a sua primeira encarnação que remonta à época do Império, é um órgão de estado com mais de 200 anos. Qualquer formulação da política externa brasileira hoje levará em conta a posição do Itamaraty e dos seus diplomatas. Ao mesmo tempo, o chanceler (no Brasil, nós nos referimos ao Ministro das Relações Exteriores como chanceler, mas essa nomenclatura varia mundo afora) tem evidentemente os limites impostos a qualquer servidor público. No limite, quem conduz a política externa brasileira é o chefe de Estado, o presidente da República. Mas o chanceler é um ator tremendamente influente.
Eu só faria a ressalva de que, no ecossistema da política externa brasileira, há outros atores. Além do presidente, há outros ministros importantes e relevantes atores da sociedade civil – empresários, imprensa, universidades, igrejas, ONGs –, de modo que é necessário considerar toda essa constelação de agentes e de interesses para se explicar uma determinada política externa. Isso posto, é óbvio que o Itamaraty é bastante central, e é algo que nós afirmamos e reafirmamos no nosso livro: é visível como, nos momentos críticos da história brasileira, o Itamaraty acaba sendo chamado à responsabilidade e tem, quando nada, uma função de desenhar a política em termos mais especializados.