8 de março: professoras da UFMG descrevem desafios e propõem políticas para igualdade de gênero

Ainda que majoritárias na academia, as mulheres não têm as mesmas oportunidades de ascensão na carreira

O número de mulheres que se dedicam às carreiras acadêmicas tem aumentado nos últimos anos. Relatório produzido pela Diretoria de Produção Científica da Pró-reitoria de Pesquisa da UFMG (PRPq) mostra que, atualmente, há predomínio numérico de mulheres na UFMG – elas representam 56% do total de matrículas na pós-graduação e 53% na graduação. Em relação ao quadro de pessoal, as mulheres representam 59% dos servidores técnico-administrativos em educação da Universidade, mas os homens ainda são maioria nos cargos de docência: 55%. 

Os números mostram que as mulheres estão cada vez mais presentes na universidade, porém elas ainda enfrentam muitos desafios para superar o preconceito de gênero, as diferenças salariais no mercado de trabalho e a falta de estrutura e apoio para conciliar carreira e maternidade. “É uma questão estrutural. Vivemos em uma sociedade marcada por uma série de preconceitos estruturais, e a diferença de posição e de oportunidades dadas às mulheres é muito marcada. Como uma mulher vai conseguir se destacar na pesquisa se, além de pesquisadora, ela é professora, mãe e dona de casa?”, questiona a professora Mariana Petry Cabral, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG.

Cabral conta que, no seu campo de atuação, a arqueologia, a presença de mulheres sempre foi muito forte, mas isso não é suficiente para que elas tenham as mesmas oportunidades para alcançar postos mais altos na carreira. “Apesar da predominância feminina, justificada pelo fato de que a arqueologia não era muito valorizada no passado, e isso afastava os homens, os mapeamentos mostram que a ocupação dos espaços acadêmicos, os índices de citação em artigos, a quantidade de bolsas, tudo isso ainda é predominantemente masculino. No campo da pesquisa arqueológica, os homens ocupam os postos mais altos, ganham os melhores salários e são mais citados”, explica ela.

Estereótipos

A professora Juliana Cesário Alvim Gomes, do Departamento de Direito do Trabalho e Introdução ao Estudo do Direito da Faculdade de Direito da UFMG, acrescenta que o problema estrutural serve como barreira para as mulheres e ocorre não só no campo acadêmico ou da pesquisa. “Os estereótipos questionam a competência das mulheres, e isso afeta a nossa vida pessoal e profissional. Existem estudos que mostram que os estereótipos agem na recepção dos professores pelos alunos, por exemplo. Se a professora mulher é muito dura, ela é uma megera. Se é complacente, ela é fraca. Esses estereótipos se desenrolam em muitos aspectos”, explica.

Juliana Alvim afirma que, em se tratando da carreira acadêmica, o excesso de cobrança pela produtividade é outro fator que afeta mais as mulheres que os homens. “No Brasil, é sabido que as mulheres realizam o dobro do trabalho doméstico. Isso se reflete na carreira acadêmica das professoras e pesquisadoras, porque essas mulheres não têm o mesmo que os homens para produzir, seja escrevendo um artigo, editando uma revista ou orientando. Quando falamos de maternidade, o problema é ainda maior, pois a academia não a leva em conta ao cobrar de homens e mulheres a mesma produtividade em seus currículos.”

Professora do Departamento de Enfermagem Materno infantil e Saúde Pública da Escola de Enfermagem da UFMG, Deborah Carvalho Malta afirma que a presença feminina é maior na área da saúde, que é dedicada ao cuidado. Segundo ela, isso torna as barreiras acarretadas pela desigualdade de gênero menos claras no cotidiano das profissionais. “Essa diferença, no entanto, aparece mais claramente quando observamos a gestão dos serviços de saúde, que é majoritariamente masculina. As mulheres são a maioria na força de trabalho da enfermagem, mas não nos cargos de chefia, justamente os que melhor remuneram”, explica. 

A professora argumenta que, para crescerem no mercado de trabalho, principalmente na carreira acadêmica e na pesquisa, as mulheres precisam de apoio. “Eu tive muita dificuldade quando me tornei uma pesquisadora mãe, cheguei até a adoecer devido à alta carga de trabalho na universidade e em casa. Para escrever minha dissertação de mestrado, contei com a ajuda da minha mãe. Naquela época, eu ditava, enquanto amamentava meu filho, para que ela digitasse o trabalho para mim. Sem a rede de apoio da minha família, eu não teria conseguido”, desabafa.

O mesmo desafio foi vivido pela professora Cynthia Greive Veiga, do Departamento de Ciências Aplicadas à Educação da Faculdade de Educação (Fae) da UFMG. Ela conta que sofreu para conciliar a amamentação de seu filho com as carreiras de professora e pesquisadora. “Independentemente da sua carreira, ser mãe é um trabalho muito difícil e que requer muito do seu tempo. A mulher só se faz na relação com o outro, por isso uma rede de apoio é tão importante. A mulher pesquisadora só consegue escrever se tiver suporte, familiar ou público, como a oferta de creches, por exemplo”, diz.

Políticas e apoio institucional

As professoras concordam que as mulheres precisam ser apoiadas de forma institucionalizada, tanto na academia, onde exercem as carreiras de professoras e pesquisadoras, quanto no mercado de trabalho. 

“A profissional que decide ser mãe precisa ser acolhida. No caso específico da carreira acadêmica, precisamos manter o espaço dessas mães nos grupos de pesquisa, fazendo publicações conjuntas e não deixando que seus currículos ‘parem’ no tempo porque elas estão, naquele momento, dedicadas ao papel de mãe. Esse apoio precisa ser institucionalizado e se tornar uma prática da universidade e dos grupos de pesquisa”, diz afirma Deborah Malta.

Ela afirma que as mulheres não deveriam perder oportunidades ou ser punidas quando optam pela maternidade. Segundo ela, as universidades precisam fortalecer suas políticas de valorização das mulheres que são mães na academia, reconhecendo a energia que elas precisam dedicar à criação de seus filhos. 

“Poderíamos pensar em editais específicos que incentivam o desenvolvimento da carreira de pesquisadoras e de estudantes mulheres. Vemos que muitas entram na graduação, mas, na pós-graduação e nos espaços de docência, o número de mulheres diminui. Às mulheres devem ser dadas condições de crescimento na academia, por meio de políticas ativas de fortalecimento de gênero nesses espaços”, diz a Deborah Malta. 

Juliana Alvim, da Faculdade de Direito, acrescenta que as universidades devem deixar claro que se importam com as mulheres, por meio de “iniciativas que dão esse recado. Os auditórios das universidades costumam ter o nome de homens, antigos pesquisadores e professores renomados. Por que também não nomear esses espaços com o nome de mulheres importantes? Quando fazem isso, as universidades mostram que as mulheres pertencem àqueles locais.”

Alvim cita, ainda, a possibilidade de reserva de vagas para mulheres em diretorias de departamentos ou concursos públicos na academia, visto que essas políticas conseguiriam ajudar as mulheres a crescer em suas carreiras acadêmicas. “Além das medidas simbólicas, há a necessidade de medidas concretas. As políticas de cotas, que funcionaram tão bem na questão racial, podem ajudar no equilíbrio da ocupação dos espaços acadêmicos. Essas políticas são essenciais para ponderar a ausência da pesquisadora quando ela decide ser mãe. Nenhuma mulher deveria ter sua carreira prejudicada porque optou por representar mais esse papel”, conclui a professora.

Texto de Luana Macieira

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG