Arqueólogos coordenados pela UFMG retomam escavações e fazem novas descobertas no Vale do Peruaçu
No Abrigo do Malhador e arredores, no Norte de Minas, equipe encontra fogueiras com restos de alimentos e da produção de pigmentos e instrumentos
Entre os anos 1970 e 1990, arqueólogos liderados pelo professor André Prous, da UFMG, fizeram uma série de escavações no Vale do Peruaçu, localizado na bacia do rio São Francisco, norte de Minas. Ali encontraram vestígios de ocupação há 12.070 anos, datação mais antiga do estado de Minas Gerais e aceita internacionalmente. Havia, por exemplo, sinais de domesticação de plantas, por volta de dois mil anos atrás, e enterramentos de cerca de oito mil anos atrás. Tudo bastante bem preservado, devido ao solo rico em calcário.
A UFMG, em parceria com a Embrapa e a USP, retomou as escavações em 2021, agora sob coordenação da professora Maria Jacqueline Rodet, do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG. E há novas descobertas, relacionadas à passagem de grupos entre 2 e 3 mil anos atrás.
O objetivo do projeto é aprofundar a compreensão da região como um todo, incluindo aspectos como paisagem, animais, disponibilidade de alimento e matéria-prima e escolhas diversas dos grupos humanos. A equipe reúne pesquisadores de áreas como geoarqueologia, botânica, genética e biotecnologia.
As escavações estão concentradas, atualmente, no Abrigo do Malhador, área protegida por um paredão de pedra de cerca de 100 metros de comprimento, 30 de altura e largura de 6 a 10 metros. A estrutura, localizada no município de Januária, é protegida da chuva, do vento e de outras intempéries, e a temperatura, ali, se mantém moderada. O sítio integra o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, que concorre a Patrimônio Natural e Cultural, títulos concedidos pela Unesco. A UFMG é uma das instituições que têm contribuído na campanha pela escolha do parque.
Local de passagem e rituais
Maria Jacqueline Rodet explica que o Abrigo do Malhador tem, de um lado, verde, rio, sol; no outro lado há cavernas. “Há evidências de que esses grupos mais recentes, que eram horticultores e ceramistas, utilizavam o abrigo com muita frequência. Uma delas é a coloração do sedimento, que passa, nas camadas mais antigas, de tons claros – rosáceo, avermelhado, bege e branco – para o marrom bem forte, relacionado à presença de muitas fogueiras próximas umas das outras.
Segundo a arqueóloga, os grupos não viviam ali, apenas frequentavam. “Era um local de passagem e rituais. Sabemos disso porque não há vestígios sistemáticos do cotidiano. Nas escavações recentes, que revelaram muitas e belas fogueiras, estruturadas em pedra, não encontramos muitos instrumentos, apenas sinais de reparos de partes quebradas ou afiação de pontas e superfícies. Ou seja, eles não produziam os instrumentos no abrigo. E, nas fogueiras e em seu redor, achamos alimentos como coquinhos de palmeiras, castanhas, umbu e restos de ossos de aves”, diz Maria Jacqueline Rodet, que é mestra e doutora pela Universidade de Paris Ouest-Nanterre, na França.
A professora da UFMG diz que outras descobertas importantes são os vestígios da produção de pigmentos, que serviam, muito provavelmente, para pintar paredes, corpos e objetos de cerâmica. Ela destaca indícios do que parece ser a produção de pigmento branco – foi encontrado um pequeno instrumento de pedra, deixado ao lado de uma fogueira, impregnado desse material em seu gume.
Localizado na saída do grande cânion do Rio Peruaçu, o Abrigo do Malhador ganhou esse nome porque, desde o início do século 18, os bandeirantes, depois de matar e expulsar os grupos que viviam no local, ocuparam a terra com pastos e deixavam lá os bois que utilizavam esses locais abrigados para malhar, ou seja, fazer a digestão. Segundo a arqueóloga, o local guarda sepultamentos de até cerca de oito mil anos atrás. Foram encontradas mulheres adultas e crianças, uma delas acompanhada de uma serpente, no que o Malhador se diferencia, por exemplo, da Lapa do Boquête, sítio arqueológico situado mais no centro do vale, onde foram sepultados homens e crianças. O sítio e as antigas relações foram desestruturados com a chegada dos bandeirantes, que atacaram aldeias e instalaram grandes fazendas de gado.
Saiba mais em matéria de Itamar Rigueira Jr. para o Portal UFMG.