Artigo sobre declínio de nascimentos no Nordeste tem participação de doutorando da UFMG

Trabalho desenvolvido em colaboração com pesquisadores de Harvard revela declínio durante surto de zica

O adiamento da gravidez e o aumento do número de abortos seguros com o intuito de evitar o nascimento de bebês com má-formação podem ser as principais causas de uma redução incomum do número de nascidos vivos no Nordeste brasileiro, de setembro de 2015 a dezembro de 2016. O tema é objeto de artigo, publicado recentemente, por pesquisadores brasileiros e da Universidade de Harvard (EUA) que investigam as implicações demográficas do aumento na microcefalia associado à epidemia de zika vírus no Brasil.

Um dos autores, o doutorando Lucas  Resende de Carvalho, da UFMG, explica que, embora o conhecimento sobre aspectos biológicos e epidemiológicos da doença tenha avançado, seus impactos demográficos permanecem pouco compreendidos. Segundo ele, foi possível constatar um declínio de aproximadamente 15% nos nascimentos no Nordeste, no período observado, época em que, após diversas discussões, foi aceita a evidência de que o zika vírus estava associado a um conjunto de problemas de má-formação do feto denominado Síndrome Congênita do Zika Vírus (CZS, em inglês). Lucas Carvalho é doutorando do Programa de Pós-graduação em Economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG e pesquisador do Grupo de Estudos em Economia da Saúde e Criminalidade (GEESC).

Desigualdades

Embora a quantidade de pessoas atingidas pela zica seja incerta, uma vez que as notificações só se tornaram obrigatórias em fevereiro de 2016, o Ministério da Saúde contabiliza em torno de 1,6 milhão de casos no país, de 2015 a 2016. Desse total, mais de 41 mil (2,5%) eram mulheres grávidas. Até o início de 2017, houve aproximadamente 2,7 mil casos de CZS notificados, dos quais 69% no Nordeste.

O estudo constatou que, dos nove estados da região, apenas Ceará e Piauí não registraram redução estatisticamente significativa de nascimentos. "Acreditamos que muitas mulheres, observando o cenário de crescimento da microcefalia, tenham decidido adiar a gravidez", explica o pesquisador, ressalvando que essa resolução pode também ter sido influenciada por outros fatores, como a crise econômica.

Sobre a segunda hipótese analisada – interrupção segura da gravidez –, os autores informam que, no período, não cresceu o número de hospitalizações por complicações de aborto, mas houve pico de procura por remédios abortivos. Para os pesquisadores, provavelmente houve aumento do número de abortos seguros, "ainda que seletivos por status socioeconômico", já que 83% das mulheres que tiveram filhos com CZS não eram brancas (pretas, amarelas, pardas ou indígenas), percentual muito superior à sua representação na população brasileira, que é de 49,7%. "Isso pode indicar que são mulheres mais vulneráveis que não tiveram acesso ao aborto seguro", deduz Lucas Carvalho, lembrando que ainda é uma incógnita o fato de o Nordeste concentrar a maior incidência de CZS. Segundo ele, tais condições podem refletir e exacerbar as desigualdades sociais e regionais no país.

Em sua opinião, o combate ao mosquito transmissor do zika vírus (Aedes aegypti) deve ser fortalecido, com colaboração de diferentes setores governamentais. Ao mesmo tempo, ressalta, as consequências econômicas e sociais da epidemia de zika de 2015 e 2016 “devem motivar estratégias que tratem adequadamente da saúde e dos direitos reprodutivos das mulheres, desde informação sobre métodos contraceptivos até o aborto seguro”.

Custos sociais e econômicos

No trabalho, foram analisados dados sobre nascimentos, óbitos fetais e hospitalizações devido a complicações do aborto em estados brasileiros, de 2010 a 2016. A investigação que gerou o artigo é uma das linhas de pesquisa desenvolvidas em colaboração entre a universidade norte-americana e a UFMG com o intuito de quantificar os custos sociais e econômicos das principais arboviroses no país, como dengue e zica. O conceito abrange não apenas os custos com internações, medicamentos e outros tratamentos de saúde, mas também as perdas econômicas decorrentes de ausências no trabalho e na escola, por exemplo.

O projeto é desenvolvido em Harvard, sob a liderança da primeira autora do artigo, a professora brasileira Márcia Castro, que concluiu mestrado na UFMG, em colaboração com pesquisadores do Cedeplar, e coordenado na UFMG pela professora Mônica Viegas, que orienta, com o professor Pedro Amaral, o doutorado de Lucas Carvalho.

Artigo: Implications of Zika virus and congenital Zika syndrome for the number of live births in Brazil
Autores: Marcia Castro (Harvard), Qiuyi Hanb (Harvard); Lucas Carvalho (UFMG), Cesar Victora (Universidade Federal de Pelotas) e Giovanny França (Ministério da Saúde)
Publicado no dia 29 de maio de 2018, no Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS)

Ana Rita Araújo - Agência de Notícias UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG

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