Dez ensaios e um depoimento reunidos em livro da Editora UFMG tratam das múltiplas expressões da obra de Tom Jobim
“Sucesso de público e crítica", velho clichê do jornalismo cultural, aplica-se bem a Tom Jobim, que, paradoxalmente, é ainda pouco estudado, sobretudo em suas facetas extramusicais, como sublinha o pesquisador Luca Bacchini. Atuante em projetos da UFMG e da Stanford University (EUA), ele reuniu um time de especialistas para assinar os capítulos de Maestro soberano: ensaios sobre Antonio Carlos Jobim, que a Editora UFMG lança nesta terça-feira, dia 22 de agosto, das 18h30 às 21h, na Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi). Mais informações pelos telefones (31) 3409-4650 ou 3409-3888.
"O intuito é apresentar uma reflexão crítica da obra de Jobim, com base em visões hermenêuticas diferentes. Os ensaios pretendem revelar também faces menos conhecidas de Tom Jobim", relata o organizador do volume em entrevista por e-mail, que conta ainda com depoimento da fotógrafa Ana Lontra Jobim, segunda mulher de Tom, que morreu em 1994.
Tom é apresentado pelo professor da PUC-Rio Paulo Henriques Britto e sua ex-colega Santuza Cambraia Naves, homenageada in memoriam na edição, como um artista moderno, pronto para criar o novo. Ao mesmo tempo, o maestro reverenciava determinados legados, retomando caminhos trilhados por músicos como Villa-Lobos. A dupla descreve a trajetória de formação de Tom, destacando aspectos como a influência de Koelreutter e o encontro com João Gilberto, com quem sua identificação não foi completa. "Seria inadequado reduzir a trajetória de Tom à sua experiência com a bossa nova, que se caracterizou pela opção pelo mínimo, enquanto Tom sempre esteve entre o mínimo e o máximo, entre o moderno e o modernista", escrevem os pesquisadores.
Sonoridade sofisticada
Em sua contribuição a Maestro soberano, a historiadora Heloisa Starling, da UFMG, afirma que Jobim "fez da obra de Guimarães Rosa sua casa", não somente por gosto pessoal. "A busca pela 'grandeza cantável' do sertão, pela 'música subjacente' das palavras e por aquilo que a canção representa para construção da memória, da sensibilidade e da imaginação do Brasil ajuda a compreender ao menos em parte o impacto que a leitura da obra de Guimarães Rosa imprimiu na sonoridade elegante e sofisticada das composições de Tom Jobim", registra a professora.
As metamorfoses do sujeito lírico no cancioneiro jobiniano foram objeto de investigação de André Haudenschild, músico e doutor em literatura pela Universidade Federal de Santa Catarina. Ele aborda a poética nas canções de Tom à luz de reflexões de Walter Benjamin sobre a percepção aurática e a experiência na modernidade. Haudenschild escreve que o compositor "foi movido por uma prazerosa fruição da natureza capaz de lhe dar a harmonia e o compasso desde os temas germinais da bossa nova". Para o autor, Jobim "extrai de seu lirismo o minério cristalino da palavra". E cita o próprio artista, para quem a linguagem musical não bastava: "A briga toda que tenho é para chegar à palavra mais clara, a imagem transparente".
Apoiada pelo Instituto Antonio Carlos Jobim, a edição se beneficiou indiretamente da preocupação do próprio artista, desde a adolescência, com a guarda de seus documentos. Em outro capítulo de Maestro soberano, a arquivista Gleise Andrade Cruz, que trabalhou no Instituto, conta a história do acervo e apresenta seu conteúdo. Segundo a autora, a lógica da acumulação do arquivo foi "uma forma de aproximação da identidade que Tom queria construir para si, por meio da guarda de seus papéis e de suas músicas".
O material devidamente conservado confirma a pluralidade de interesses do artista. Segundo o organizador Luca Bacchini, Jobim "compreendeu cedo que somente sentado ao piano teria a chance de conciliar a variedade de paixões que o animavam, como a literatura, a ecologia, a ornitologia, a arquitetura, a linguística". Ele lembra que, certa vez, em uma entrevista, Tom explicou que a música não lhe interessava e que se tornou compositor porque queria falar das montanhas, do mar, do sol e dos bichos. "Tom Jobim foi um grande intérprete do Brasil, que usou a música para expressar o seu pensamento", conclui Bacchini.