Em artigo, professor do ICB UFMG analisa variações genéticas que interferem na eficácia de fármacos
Revisão confirma efeitos colaterais distintos e necessidade de dosagens diferentes de medicamentos entre grupos populacionais
Ciência que estuda as diferenças de respostas a medicamentos observadas entre indivíduos, a farmacogenética revela que, a despeito dos mais de 500 anos de miscigenação, ainda são registradas variações significativas em relação à eficácia dos fármacos mais usados no Brasil entre grupos predominantemente brancos, indígenas e negros.
Essa conclusão é reforçada em artigo publicado neste mês no mais conceituado periódico na área de farmacogenômica – The Pharmacogenomics Journal – pelo professor Eduardo Tarazona Santos, do Departamento de Biologia Geral do ICB, e pela doutoranda Fernanda Rodrigues Soares, também do ICB, além dos pesquisadores Fernanda Kehdy, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz/RJ), e Adrián Llerena, da Universidade de Extremadura (Espanha).
“Trata-se de uma completa revisão sobre a prevalência de variantes genéticas que afetam a eficácia terapêutica e a aparição de efeitos adversos ao uso dos fármacos mais usados no Brasil”, explica Tarazona. Ao longo do trabalho de pesquisa que o professor classificou de “monumental”, foram revisados todos os artigos publicados, desde 1968, sobre o tema. Ao volume inicial de cerca de 1300 artigos, como relata Eduardo Tarazona, foi aplicada uma série de filtros, principalmente para distinguir as informações replicadas, chegando a 120 publicações relevantes. Reportagem sobre o estudo foi publicada na edição 2017 do Boletim UFMG.
Variações genéticas entre negros e brancos, por exemplo, são responsáveis pela frequência diferente de efeitos adversos provocados pela sinvastatina, usada no tratamento do colesterol, e da warfarina, que combate a trombose. Também em razão da genética, medicamentos como o imunossupressor tacrolimus, usado para reduzir o risco de rejeição do organismo a órgãos transplantados, precisam ser ministrados em dosagens diferenciadas para indivíduos brancos e negros. “A variante de um gene determina que 65% dos pacientes negros necessitam de uma dosagem dupla. Entre os brancos, essa frequência é de 34%”, compara Tarazona. Segundo o professor, essa informação, junto com a análise de cada indivíduo para a variante genética em questão, deve ser usada pelo clínico para prescrever a dosagem.
Medicina de precisão
Como relata o professor, a farmacogenética é relativamente antiga, mas só tem ganhado força nos últimos anos. “Desde meados do século passado, já havia pesquisas sobre a resposta de genótipos diferentes ao tratamento da tuberculose. Nos anos 1970 e 1980, essa base de estudo ainda não era frequente, mas hoje podemos nos dedicar, a um custo muito menor, à ‘medicina de precisão’, que considera a individualidade do paciente para a prescrição do fármaco certo”, comenta.
A farmacogenética, segundo o professor, deve gerar conhecimento que sirva de base para a formulação das políticas de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Assim, no nível epidemiológico, o fornecimento local de fármacos seria orientado de acordo com a prevalência de grupos populacionais. Para o profissional de saúde pode ser importante saber se um paciente se autodeclara negro ou branco, por exemplo”, esclarece Tarazona, ressaltando, no entanto, que o ideal seria fazer a genotipagem de cada paciente, independentemente da autoclassificação racial, já que um indivíduo branco pode ter características genéticas de negro e vice-versa.
Na visão do professor do ICB, as pesquisas devem se aprofundar nas particularidades genéticas das populações de negros e indígenas brasileiros, sobre as quais se sabe menos, uma vez que têm menos acesso aos serviços de saúde. Citando o exemplo da produção do fármaco sinvastatina, o professor do ICB conta que estudos brasileiros recentes demonstraram a presença de variantes que causam reações adversas em 15% dos europeus e 30% dos indígenas americanos. “Como os testes iniciais haviam sido feitos apenas na Europa, o fármaco passou a ser amplamente usado. Mas se tivesse sido testado em outra população, poderia não ter chegado ao mercado”, supõe.
O trabalho foi elaborado em conjunto pela Rede Iberoamericana de Farmacogenética (Ribef) e pelo projeto Epigen-Brasil, que estuda a diversidade genômica e o padrão de doenças nas coortes populacionais brasileiras de Salvador (BA), Bambuí (MG) e Pelotas (RS), acompanhadas por pesquisadores nacionais há mais de 30 anos.
Mais informações sobre o projeto Epigen-Brasil podem ser consultadas neste link. A íntegra do artigo está disponível na página de The Pharmacogenomics Journal.