Em livro da Editora UFMG, filósofos sugerem interferências nas estruturas cognitivas cerebrais para evitar a autoextinção da humanidade
De acordo com os estudos de filósofos europeus, a realização de interferências nas estruturas cognitivas do cérebro humano pode aumentar a nossa capacidade de ser solidários – afastando assim a possibilidade de que, em longo prazo, a espécie venha a se autoextinguir. Essa tese é destrinchada no livro Inadequado para o futuro: a necessidade de melhoramentos morais, da Editora UFMG. A autoria é de Ingmar Persson, professor de filosofia prática da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, e Julian Savulescu, docente de ética prática da Universidade de Oxford, no Reino Unido.
Persson e Savulescu explicam que "nosso conhecimento de biologia humana, em particular de genética e neurobiologia, está começando a providenciar maneiras de afetar diretamente as bases tecnológicas ou fisiológicas da motivação humana, por exemplo, através do uso de métodos farmacológicos e genéticos, tais como engenharia e seleção genética". Eles se referem a pesquisas ainda incipientes, mas que já encontram forte resistência no campo ético da discussão. "A ideia de melhoramento moral assusta. Interferir nas estruturas cognitivas do ser humano soa quase como distopias literárias", escreve Brunello Stancioli, professor da Faculdade de Direito que traduziu a obra. O tradutor defende que um dos méritos do livro é justamente o de conduzir o leitor do estágio "de forma alguma", que advém do senso comum, para um provocativo "por que não?".
Déficit de solidariedade
Persson e Savulescu partem da tese de que o Homo sapiens, devido à sua configuração cognitiva, apresenta uma série de tendências antrópicas incompatíveis com a sociedade globalizada e hipercomplexa em que se vive. "Na maior parte dos cerca de 150 mil anos de existência da humanidade, os seres humanos viveram em sociedades relativamente pequenas e coesas, usando uma tecnologia primitiva, cujo alcance era restrito ao meio ambiente do entorno próximo. Dessa forma, a psicologia e a moralidade desses indivíduos provavelmente se ajustaram de modo a torná-los aptos a viverem sob essas condições específicas", explicam. "As condições de vida da humanidade, no entanto, foram radicalmente alteradas pela ciência e pela tecnologia, enquanto sua psicologia moral permaneceu fundamentalmente a mesma, já que essas mudanças ocorreram relativamente rápido (levando-se em conta a escala evolucionária), especialmente nos últimos séculos", argumentam.
O resultado desse processo seria, entre outras coisas, um "déficit de solidariedade", que nos leva a nos preocuparmos primordialmente com aqueles que pertencem às comunidades mais próximas em detrimento das comunidades amplas. "Sentimos real empatia somente em pequenos grupos. Basta pensar que um trivial acidente doméstico com um filho (um corte na testa) gera muito mais comoção real do que o ocorrido com centenas de milhares de vítimas de terremotos em partes do globo distantes do Brasil, como o Nepal", explica Brunello.
Os pesquisadores afirmam que esse privilégio à comunidade doméstica em nossos processos empáticos se tornou um problema na medida em que a humanidade se tornou capaz de produzir armas de destruição em massa – e ainda mais agora, quando já se percebe a tendência de que, em futuro próximo, não apenas nações, mas também grupos terroristas consigam acesso aos meios tecnológicos de produção desse tipo de armamento. "A atual situação da humanidade é tão séria que é imperativo à pesquisa científica explorar as possibilidades de desenvolvimento de uma forma efetiva de biomelhoramento moral, como complemento aos meios tradicionais. Os seres humanos agora dispõem de meios que podem minar as condições de vida digna na Terra para sempre", advertem os autores.
Livro: Inadequado para o futuro: A necessidade de melhoramentos morais
Autores: Ingmar Persson e Julian Savulescu
Editora UFMG
216 páginas / R$ 41 (preço de capa)