Estudante da UFMG transcreve para a formação canto e violão obra para voz e piano do paraense Waldemar Henrique

Diferentemente do que se passa com a canção popular, são poucas as obras da canção brasileira de câmara compostas para canto e violão. Também há ­poucos intérpretes e gravações nessa formação. Apaixonado por música brasileira e pela performance que junta a interpretação vocal ao instrumento de cordas pinçadas, o violonista Anderson Reis tomou conhecimento da peça Uirapuru, uma das nove Lendas amazônicas do compositor e pianista paraense Waldemar Henrique (1905–1995). E transformou em projeto de mestrado, na Escola de Música, o esforço de transcrição das composições, escritas para canto e piano.

Anderson mergulhou na história de Waldemar Henrique para entender seu universo criativo e descobriu que o compositor, um dos símbolos da arte feita no Pará, se relacionava muito bem com o violão. “Ele chegou a escrever algumas peças originalmente para canto e violão”, comenta Anderson Reis. “Sua obra é bastante pianística, mas não explora recursos específicos do instrumento. O acompanhamento do piano tem o objetivo principal de apoiar a letra, criar atmosfera, o que de certa forma favorece o trabalho de transcrição.”

Além da bagagem de Anderson como violonista, o trabalho teve suporte teórico e baseou-se na experiência de outros transcritores. O pesquisador teve a preocupação de transportar a essência da criação de Waldemar Henrique para o violão e chegar a um resultado que fosse o mais violonístico possível, de forma que o ouvinte não imagine que se trata de composição criada para outra formação.

“Utilizei o que é mais natural para o violão, como tonalidades mais adequadas, e reafino algumas cordas. Também exploro a ressonância típica do instrumento e técnicas especiais próprias, como o pizzicato (som abafado tirado do pinçar das cordas) e a tambora (toque percussivo na base das cordas), que combinaram bem com as composições de Waldemar Henrique”, enumera o músico.

Anderson acrescenta que algumas das adaptações estão relacionadas ao fato de que o piano tem mais recursos sonoros simultâneos e que respeitou uma característica marcante das lendas: elas foram compostas numa região média para a voz (nem muito grave nem muito aguda) e, portanto, podem ser interpretadas por qualquer tipo de cantor.

Personagens em sons

Nas canções Nayá, Uirapuru e Tamba-tajá, o acompanhamento é apenas pano de fundo. As outras seis contêm recursos que reforçam a atmosfera ao caracterizar personagens ou elementos da narrativa. “Nesses casos, foi maior o desafio, pois precisei elaborar e testar, também no palco, as soluções no violão”, afirma Anderson Reis, que contou com a participação de três amigos cantores nas atividades performáticas de sua pesquisa. Ele tem apresentado as peças de Waldemar Henrique ao lado do barítono Célio Souza (há vídeos no canal do violonista no YouTube)

A orientadora do trabalho, professora Luciana Monteiro de Castro, coordenadora do Grupo de Resgate da Canção Brasileira, ressalta que a linguagem acessível e a brasilidade das peças do compositor paraense “funcionaram” muito bem no violão e que o resultado é valioso em razão da dificuldade de “transcrever de um instrumento tão completo como o piano, respeitando as ideias do autor”.

Anderson Reis compara a transcrição à tradução literária. “Me vali das ideias do Waldemar Henrique para dar uma interpretação pessoal”, diz o violonista, que pretende editar as partituras que resultaram de sua pesquisa.

Homenageado no batismo de uma praça e de um teatro que levam seu nome em Belém, cidade em que nasceu e morreu, Waldemar Henrique, que foi também maestro e escritor, passou a infância em ­Portugal e, na volta ao Brasil, viajou pelo interior da Amazônia em busca de conhecimento sobre a cultura e o folclore da região. Estudou no Rio de Janeiro e se apresentou em excursões no Brasil e no exterior.

Dissertação: Transcrições das Lendas amazônicas de Waldemar Henrique para canto e violão: uma abordagem prática e teórica

Autor: Anderson Reis

Orientadora: Luciana Monteiro de Castro

Coorientador: Flávio Barbeitas

Defesa em 29 de setembro de 2017, no Programa de Pós-graduação em Música

Itamar Rigueira Jr. - Boletim nº 1999

Fonte

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