Estudo da Escola de Enfermagem da UFMG revela que negligência e violência contra crianças ocorrem sobretudo no ambiente doméstico
É em casa que ocorrem mais da metade dos casos de violência e negligência contra crianças, revela artigo produzido pela professora Deborah Carvalho Malta, da Escola de Enfermagem, em parceria com pesquisadores da UFMG e de outras instituições brasileiras. “A residência, que deveria ser locus de proteção e de cuidado, torna-se o local de agressão e de vitimização da infância”, enfatiza a autora. Ela utilizou dados do inquérito Vigilância de Violências e Acidentes (Viva) que focalizam dois públicos muito vulneráveis: infância e adolescência.
A análise gerou dois artigos, publicados na Revista de Saúde Coletiva. A pesquisadora trabalhou com dados obtidos em 2014, do inquérito Viva, coletados nas entradas dos serviços de urgência e emergência dos hospitais de referência de todas as capitais brasileiras. Em Belo Horizonte, a amostra incluiu os hospitais João XXIII e Odilon Behrens.
O inquérito é aplicado a cada três anos, em todas as capitais brasileiras, sob a coordenação do Ministério da Saúde, em parceria com as secretarias estaduais e municipais de saúde, com o objetivo de avaliar os atendimentos por causas externas em vítimas de acidentes e violência no Sistema Único de Saúde (SUS). Os dados referentes a 2017 ainda não estão disponíveis.
Deborah Malta destaca que a base é muito rica e possibilita amplo diagnóstico da situação de saúde: oferece dados sobre as vítimas e agressores e possibilita captar não só os casos de maior gravidade, como os que exigem internação e equivalem a cerca de 10% do total, ou os que resultam em mortalidade. “Também ficam registrados os casos de média e leve gravidade que, de outra forma, não se tornariam conhecidos”, explica a professora.
Segundo ela, o estudo destaca que as violências encontram-se nas mais importantes instituições socializadoras – a família, a escola, o bairro, “o que indica a necessidade de mobilizar toda a sociedade na perspectiva do seu enfrentamento”.
Ambientes hostis
Meninos sofrem mais acidentes e violência do que meninas, conforme se afirma no artigo. Crianças de zero a cinco anos são as maiores vítimas de negligência, como lesões, fome, desnutrição, desidratação, doenças e acidentes domésticos. O domicílio é o local com mais ocorrência de violências – cerca de 60% dos casos registrados. “Isso choca, porque é onde se espera que as crianças tenham mais proteção”, enfatiza a professora.
A análise mostrou que, entre meninos de 6 a 9 anos, é mais frequente a agressão física por parte dos pais, mas também na escola, ambiente em que violência física, agressão e ameaça são mais constantes entre meninos de 10 a 14 anos.
No grupo de 815 adolescentes, a pesquisa constatou que homens são as vítimas mais numerosas de violência, o que confirma os dados da literatura. Segundo a professora, o número de acidentes e ocorrências violentas chega a ser nove vezes maior em homens do que em mulheres, na idade de 15 a 24 anos. A via pública é o ambiente onde ocorrem com maior frequência.
“É uma questão cultural, pois eles têm maior exposição”, comenta Deborah Malta, lembrando que o estereótipo do gênero já é dado nos primeiros meses de vida: “aos meninos são oferecidos brinquedos como bolas, que estimulam a ir para a rua, e armas, e meninas são presenteadas com bonecas”. Entre elas, a ocorrência de violência ocorre sobretudo no domicílio, sendo os pais também agressores. A violência sexual é mais frequente nas meninas de 15 a 19 anos, e não somente pelos pais.
Notificação
Deborah Malta considera o inquérito uma fonte importante para nortear políticas públicas e estimular as famílias a ficar mais atentas a sinais de violência que às vezes passam despercebidos. “A violência ocorre muito frequentemente nos lares, e, muitas vezes, os pais são os autores. É necessário estimular políticas de proteção”, defende.
A professora comenta que portaria do Ministério da Saúde, de 2011, que inclui a violência doméstica na lista dos agravos de notificação compulsória, tem contribuído para formar uma rede de proteção a essas vítimas da violência. “Até criamos aqui na Enfermagem uma disciplina, Violência em Saúde, com o intuito de capacitar os profissionais a fazer esse registro”, conta. Em sua opinião, com a qualificação dos profissionais, é esperado um crescimento de notificações, porque estão sendo implementados a vigilância e o monitoramento de casos.
Para a pesquisadora, “as violências contra adolescentes são um grave problema de saúde pública, e o Viva torna-se um instrumento vital, por dar visibilidade ao tema”. Já as violências sofridas na infância, “mesmo sem lesões físicas aparentes, são acompanhadas de sofrimentos psíquicos e resultam em traumas profundos para toda a vida. Além disso, a violência doméstica aumenta o risco de as crianças nela envolvidas tornarem-se vítimas de homicídios”.
Artigos
Violências contra adolescentes nas capitais brasileiras, segundo inquérito em serviços de urgência