Estudo da UFMG descobre que composto sintético pode atenuar efeitos da cocaína
Testes feitos em camundongos mostraram que a substância reduziu a viabilidade de células suspeitas de contribuir para a dependência química
Resultados de estudo experimental desenvolvido no Instituto de Ciências Biológicas da UFMG mostram que uma substância sintética muito utilizada em testes clínicos oncológicos, a PLX 3397, reduz a viabilidade de células de defesa do cérebro, as micróglias, também suspeitas de contribuir para a dependência química.
Os cientistas observaram, por ora apenas em camundongos, que a PLX 3397, que inibe um receptor da micróglia chamado de CSF1R, reduziu a população dessas células e preveniu diversas alterações bioquímicas e comportamentais induzidas pela cocaína no cérebro dos animais. Isso significa que a utilização do composto poderia tanto dificultar o mecanismo de ação da droga de abuso quanto tornar os animais menos vulneráveis aos seus efeitos nocivos.
As micróglias são um alvo relevante nas pesquisas de fármacos contra dependência porque há evidências de que elas contribuem para a modelagem do cérebro. E o uso frequente de drogas é responsável por mudanças que fazem o cérebro se adaptar à presença da cocaína e outras drogas. Esse processo está associado ao fenômeno da dependência química.
A pesquisa é desenvolvida no Laboratório de Neurofarmacologia, no âmbito da pós-graduação em Fisiologia e Farmacologia, pela doutoranda Maria Carolina Machado Silva, orientada pelo professor Antônio Carlos Pinheiro de Oliveira. Os resultados foram publicados em agosto na Scientific Reports, revista do grupo Nature.
Mais estudos
Antônio Oliveira ressalta que, dada a complexidade da dependência química, apesar de demonstrado o potencial utilização do composto PLX 3397 para um tratamento contra a doença, mais estudos são necessários para avaliação mais completa dessa substância em seres humanos.
“Precisamos investigar, por exemplo, as possíveis consequências da eliminação de micróglias. Como elas têm funções imunológicas, um tratamento com base em sua neutralização pode tornar o paciente mais suscetível a infecções”, explica o professor, acrescentando que será necessário, por exemplo, avaliar os efeitos de diferentes quantidades do composto inibidor. Em mais uma linha de investigação, os cientistas deverão buscar outras funções do PLX 3397 em processos de combate à dependência química que não dependam da eliminação das micróglias.
Há alguns anos, o grupo liderado por Antônio Oliveira investiga o papel das micróglias no desenvolvimento de doenças psiquiátricas e neurodegenerativas. Essas células participam de processos fisiológicos normais, mas também induzem a neuroinflamação, o que pode contribuir para ansiedade, depressão e o Mal de Alzheimer, por exemplo.
Oliveira revela que a próxima etapa das investigações do grupo terá foco nas moléculas que compõem as micróglias. O objetivo será identificar alvos potenciais para fármacos destinados a combater a dependência da cocaína. Nessa fase, os pesquisadores da UFMG vão trabalhar com colegas da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos.
Doença crônica
Doença crônica, a dependência química está associada a alterações em estruturas do cérebro importantes para sensações de prazer, motivação e recompensa. Suas consequências vão muito além das questões emocionais que atingem o indivíduo e seus familiares. A sociedade é atingida por meio, por exemplo, da redução da capacidade de trabalho dos doentes, do aumento da criminalidade e dos gastos com internações e tratamentos públicos. Para tratar a dependência de cocaína, os profissionais de saúde apelam à psicoterapia e a medicamentos de efeitos paliativos. Essas alternativas têm baixa eficácia e altas taxas de abandono.
O estudo tem a participação de pesquisadores dos departamentos de Farmacologia e de Morfologia do ICB-UFMG e da Universidade do Texas em Houston (EUA).
Autores: Maria Carolina Machado da Silva, Giovanni Freitas Gomes, Heliana de Barros Fernandes, Aristóbolo Mendes da Silva, Antônio Lúcio Teixeira, Fabrício Araújo Moreira, Aline Silva de Miranda, Antônio Carlos Pinheiro de Oliveira
Publicação: Science Reports, em agosto de 2021