Estudo na UFMG sugere transformar Mata da Izidora em reserva de desenvolvimento sustentável
Paisagem natural da região vem sendo modificada nos últimos anos devido a movimentos diversos de urbanização
A sociedade urbana necessita manter contato com a natureza, sob pena de comprometer sua sensibilidade e qualidade de vida. No entanto, a preservação dos espaços florestais em reservas afastadas dos centros urbanos não é a melhor solução para essa demanda, na avaliação da engenheira florestal Júlia Benfica Senra. “O Brasil tem-se tornado um país cada vez mais urbano. Se as áreas naturais forem todas distantes, vamos acabar perdendo esse contato e estaremos próximos de um colapso”, adverte.
Júlia Benfica empreendeu pesquisa sobre a Mata da Izidora, maior fragmento florestal desprotegido de Belo Horizonte, localizado na divisa com o município de Santa Luzia. Por ter sido povoada ao longo do último século sem planejamento e gestão do espaço, a região tem hoje sua biodiversidade ameaçada. Na dissertação Epitáfio: a floresta se despede da cidade?, defendida em março, no IGC, ela aborda aspectos ecológicos, sociais e econômicos da Mata da Izidora.
No local, há muitas propriedades privadas e ainda resiste, desde o século 19, o quilombo Mangueiras. Até 2012, a região detinha área verde com cerca de 10 mil quilômetros quadrados – mais extensa do que a zona compreendida pela Avenida do Contorno, que delimitava a capital mineira na planta de sua fundação. “Mas algumas propostas de urbanização do terreno vêm ganhando força. A partir de 2013, as ocupações urbanas Esperança, Rosa Leão e Vitória, por exemplo, têm contribuído para modificar a paisagem”, conta Júlia.
A recente discussão sobre a legalidade dessas ocupações levou a Mata ao noticiário local nos últimos anos. Mas, para a pesquisadora, muitas questões que afetam a natureza podem ser ali problematizadas. “A colonização anárquica, que acabou prevalecendo em grande parte da cidade, gerou reflexos como picos de temperatura, enchentes e transbordamentos de córregos”, enumera. Júlia Benfica vê urgência na instauração de uma política de conservação, mas entende que não se pode deixar de lado os usos da terra que já vigoram no local. “Áreas de cultivo coexistem com construções sujeitas à especulação imobiliária. É preciso tentar equilibrar esses interesses”, afirma.
Bem comum
Ao longo de 12 meses, Júlia Benfica foi a campo e, por meio de entrevistas semiestruturadas, coletou opiniões de pessoas atingidas direta ou indiretamente pelas questões ambientais e econômicas da Mata da Izidora. Foram ouvidos moradores do quilombo, das ocupações urbanas e dos bairros do entorno, proprietários de terrenos e representantes de uma construtora, da Prefeitura e de organizações da sociedade civil.
“Investiguei o que essas pessoas entendiam como qualidade de vida e equilíbrio ambiental e, com base no Artigo 225 da Constituição Federal, que dispõe sobre o direito de todos ao meio ambiente equilibrado, encontrei algumas convergências. A tudo isso, associei minhas leituras e vivências na região, além da repercussão midiática, para chegar a um sentimento geral sobre a Mata”, afirma.
Com o material, Júlia Benfica identificou como caminho viável a transformação da Mata da Izidora em uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), que pode ser gerida em âmbito municipal, estadual ou federal.
“De acordo com os desejos das pessoas, imaginei uma solução que reduzisse os impactos na fauna e flora, mas que também respeitasse o atual uso da terra”, explica a autora. A RDS possibilita usos múltiplos, envolvendo a natureza em atividades de educação, pesquisa, lazer e esporte. Prevê também limites no uso de recursos naturais, com um plano de manejo elaborado. “Assim, é possível plantar e criar gado sem prejuízo à renovação da natureza”, afirma.
Júlia Benfica defende que uma transformação desse porte seja abraçada em favor do bem comum, ainda que tenda a gerar conflitos, principalmente porque pode implicar perdas econômicas para particulares. “O interesse imobiliário e a gestão ambiental se impactam mutuamente. Por isso, a empreitada seria um desafio em qualquer nível e em qualquer lugar do mundo", afirma a pesquisadora.
Mais do que um caso isolado, a situação da Mata da Izidora, na avaliação da autora do estudo, suscita questões comuns também a outras regiões da cidade. As áreas verdes situadas nos bairros Planalto e Jardim América, por exemplo, são atualmente objetos de semelhante conflito. “É importante jogar luz sobre esses fatos. Se caminharmos só na direção do adensamento dos bairros, ignorando questões ambientais, não sei onde vamos parar. Ainda há tempo de mudar a direção”, alerta Júlia Benfica Senra.
Dissertação: Epitáfio: a floresta se despede da cidade?
Autora: Júlia Benfica Senra
Orientador: Bernardo Machado Gontijo
Defesa: 6 de março de 2018, no Programa de Pós-graduação em Geografia