Estudo UFMG: China tem terra suficiente para conciliar urbanização, conservação e abastecimento
Avaliação vai subsidiar a elaboração de políticas públicas no país asiático
A China tem hoje território suficiente para atender às demandas de urbanização, conservação e abastecimento. Do ponto de vista da quantidade de terra disponível, o país conta ainda com excedente de mais de 45 milhões de hectares para conciliar essas demandas. É o que demonstra estudo do Centro de Sensoriamento Remoto (CSR) da UFMG, instalado no Instituto de Geociências (IGC), feito em parceria entre pesquisadores brasileiros e chineses, da Universidade Normal de Pequim. O trabalho resultou no artigo How to balance land demand conflicts to guarantee sustainable land development, publicado na revista iScience, no primeiro semestre deste ano, e poderá orientar as políticas públicas para ocupação inteligente da terra na China nos próximos anos.
O pesquisador Argemiro Leite–Filho, do IGC, explica que a tecnologia e o conhecimento em modelagem ambiental produzidos na UFMG foram empregados para a simulação de diferentes cenários de uso e ocupação do solo, visando priorizar urbanização, produção de alimentos e restauração ecológica, para um planejamento territorial otimizado do país asiático. Por meio do software Dinamica EGO, desenvolvido no CSR, durante o doutorado do professor Britaldo Soares-Filho, os pesquisadores projetaram cenários que possibilitam entender como conciliar o desenvolvimento e a conservação ambiental no cenário contemporâneo de disputas territoriais na China, maior país do mundo em extensão territorial e o segundo mais populoso.
“Nosso principal objetivo foi compreender a melhor configuração para conciliar esses três vetores: a conservação, a expansão urbana e a produção de alimentos. O nosso modelo permite fazer simulações de uso e ocupação da terra, ou seja, propomos uma avaliação que projeta qual seria o impacto dessa política futura”, diz Britaldo Soares Filho, professor aposentado do IGC e pesquisador voluntário do CSR, que também participou do estudo.
Embora seja um dos maiores emissores de gases causadores do efeito estufa e das mudanças climáticas globais, na percepção do professor Britaldo, a China tem aumentado sua preocupação com o meio ambiente em seu próprio território. “Os chineses têm a preocupação de recuperar o meio ambiente do país, que já está muito degradado. O país tem sofrido os impactos da poluição atmosférica e da falta de recursos hídricos. Para remediar esses efeitos, os chineses têm adotado uma política de buscar conservar um terço do país como área de conservação da vegetação nativa”, explica.
“Ao mesmo tempo, a China tem uma grande demanda para expansão urbana. Hoje a maior parte da população chinesa já se concentra em núcleos urbanos, o que significa dizer que as grandes cidades têm crescido bastante. Também por isso, os chineses têm uma preocupação crescente em manter a segurança alimentar. Estamos falando de uma população de 1,3 bilhão de pessoas. Ao mesmo tempo em que buscam proteger uma parte do seu território, os chineses procuram conciliar essa proteção com a necessidade de expansão urbana e de segurança alimentar, com foco na produção de alimentos”, contextualiza Britaldo, que esteve na Universidade Normal de Pequim, onde ministrou um treinamento para uso do software Dinamica EGO, antes da vinda das pesquisadoras chinesas à UFMG.
Uso inteligente do solo
O país asiático tem uma política de, até 2030, proteger um terço do território. Segundo Argemiro Leite-Filho, o estudo também indica onde a proteção deve ser priorizada. “Apesar dessa política, o governo não sabia onde implementar as áreas protegidas. O modelo também possibilita ver onde há uma fonte de serviços ecossistêmicos e ambientais e, ao mesmo tempo, onde é possível se salvaguardar. Eles estão usando essas informações para isso, com aplicação para cada província chinesa”, destaca.
O estudo publicado na iScience concluiu ainda que as projeções de ocupação da terra do país asiático demonstraram a importância de se priorizar o abastecimento do país. “Nesse cenário, considerado ideal, essa dimensão, visando à segurança alimentar, deverá ser seguida pela conservação ambiental e, em última instância, pela urbanização, considerando as necessidades atuais e os conflitos fundiários do país. A gente indica que a ordem de utilização do solo seja essa para que, assim, se possa chegar ao cenário ideal de usar a terra e ainda ter as áreas excedentes, sem a necessidade de desmatar”, afirma Argemiro.
Por fim, Argemiro Leite-Filho destaca o potencial do estudo de subsidiar a elaboração de políticas de conservação e restauração ambiental, ao demonstrar que é possível conciliar as três esferas: desenvolvimento, abastecimento e proteção ao meio ambiente.
“No caso chinês, a área excedente, de 45 milhões de hectares, demonstra justamente isso: não é preciso desmatar para conciliar as demais necessidades do país. Se o uso do solo for feito com uma inteligência territorial adequada, é possível equacionar terra suficiente para expandir as cidades e produzir alimentos, sem a necessidade de comprometer serviços ecossistêmicos, que tem sido o grande problema da China: as expansões, de tão desenfreadas, têm comprometido todos os serviços ecossistêmicos associados, por exemplo, à qualidade do ar e aos recursos hídricos”, pontua.
Artigo: How to balance land demand conflicts to guarantee sustainable land development
Autores: Hongxi Liu, Britaldo Silveira Soares Filho, Argemiro Teixeira Leite-Filho, Shanghong Zhang, Jizeng Du, Yujun Yi