Estudo UFMG: projetos equivocados de recuperação de biomas abertos ameaçam vida no planeta
Iniciativas da ‘Década da restauração de ecossistemas’ preveem plantio de árvores em ambientes como o cerrado; rota precisa ser corrigida
Em estudo, pesquisadores da UFMG alertam: plantar uma árvore nem sempre é uma ação benéfica, caso o lugar do cultivo seja um bioma aberto, como campo, cerrado, savana ou pampa. Diferentemente do que ocorre nas florestas, a presença de árvores nesses ambientes pode resultar em impacto extremamente negativo ao ecossistema, chegando ao ponto de secar as fontes de água e provocar a morte de espécies endêmicas da flora e fauna.
E o mais desafiador para a Década da restauração dos ecossistemas (2021-2030), agenda lançada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em junho deste ano, é que metade das iniciativas de restauração desses ecossistemas em curso, em todo o mundo, prevê o plantio de árvores nos biomas abertos. É o que revela a pesquisa liderada pelo professor Fernando Augusto Oliveira e Silveira, do Laboratório de Ecologia e Evolução de Plantas Tropicais do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG.
A pesquisa, publicada na revisa Journal of Applied Ecology, baseia-se na análise de mais de 100 mil tuítes postados pelos grandes grupos de mídia internacional e parceiros da ONU sobre as pesquisas, práticas e o conhecimento acerca dos diferentes biomas do planeta. “Os ambientes abertos são locais riquíssimos em biodiversidade, e as espécies endêmicas são muito resistentes ao sol. Árvores plantadas nos campos ou cerrado gera sombreamento que pode eliminar essas espécies da paisagem”, alerta o pesquisador. “Além disso, como ocorre no Brasil, é no cerrado que estão localizadas as nascentes das principais bacias hidrográficas que abastecem os reservatórios para consumo humano, para a indústria e para a agropecuária. O plantio de árvores nesses ambientes, especialmente de espécies que drenam o solo, como o eucalipto e o pinheiro, acaba secando as fontes de água”, acrescenta Silveira.
Na avaliação de Fernando Silveira, a monumental tarefa de replantar e proteger as florestas, limpar rios e mares e tornar as cidades verdes para gerar uma transformação que possibilite alcançar todos os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) – como definiu o secretário-geral da ONU, António Guterres, por ocasião do lançamento da Década da Restauração – será insuficiente caso os ambientes abertos continuem sendo negligenciados.
Ciência e mídia negligentes
O estudo, que contou com a participação de pesquisadores do Brasil, dos Estados Unidos, da Colômbia, França, África do Sul, Austrália e Inglaterra, revela que as florestas secas e chuvosas são objeto do maior volume de estudos científicos e de publicações da mídia no Twitter.
Dos 100 mil tuítes feitos de 2010 a 2021, mais da metade são das 38 instituições parceiras da ONU, que contam com 12,3 milhões de seguidores. Os 45 mil tuítes da mídia internacional sobre ciência e meio ambiente provêm de seis países e englobam cinco idiomas, com mais de 240 milhões de seguidores.
O professor explica que, para tornar a pesquisa o mais abrangente possível, foram procurados posts com as palavras restauração, reabilitação ou revegetação e incluídas palavras-chave que poderiam ajudar na associação de cada tuíte a um bioma.
“Concentramos nossa análise em 940 tuítes de contas da mídia institucional e 18 de notícias. Quase 23% dessas postagens estavam inequivocamente relacionadas a florestas subtropicais ou a outro bioma tropical, e outros 45% aludiam apenas à restauração florestal ou restauração da paisagem florestal em geral”, relata.
“Além de pouco estudados pela ciência, os biomas abertos são ainda menos divulgados. Já os projetos de restauração existentes em todos os continentes resultam de políticas equivocadas, muitas vezes orientadas apenas por interesses econômicos para mitigar as emissões de carbono por meio do plantio de árvores. É o que chamamos de green washing – as grandes corporações fazem investimentos maciços em projetos de restauração como se estivessem fazendo um grande bem ambiental, quando na verdade não estão”, observa o pesquisador. “Esse domínio histórico da ecologia de florestas tem prejudicado a conservação dos ambientes abertos e, por consequência, provocado a perda de qualidade de vida do planeta.”
Para o professor, é pela educação que será possível reverter essa situação. “Precisamos de mais pessoas estudando os biomas abertos e as formas corretas de restaurá-los. E a sociedade precisa ser conscientizada sobre a necessidade dessa mudança”, conclui Fernando Silveira.