Estudo UFMG: treinamento on-line de pais de crianças com TDAH é tão eficaz quanto capacitação presencial
Atividade em ambiente digital contribui para a evolução de resultados clínicos e da qualidade de vida de crianças com transtornos mentais
Um artigo produzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Neurotecnologia Responsável (NeuroTec-R), vinculados à Faculdade de Medicina da UFMG, demonstrou que o treinamento on-line de pais é tão efetivo quanto o modo presencial para apoiar o gerenciamento dos sintomas de crianças e jovens com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e com sua comorbidade mais comum, o transtorno opositivo desafiador (TOD). A capacitação de pais de crianças com transtornos mentais é um programa de tratamento não medicamentoso bastante eficaz de capacitação de adultos para valorizar e promover o comportamento positivo de crianças. O trabalho foi publicado na revista científica Frontiers in Psychology.
Caracterizado principalmente pela dificuldade de controlar a própria atenção e o comportamento, o TDAH está muitas vezes relacionado a dificuldades de aprendizagem, de conduta e de controle das próprias emoções. O TOD, por sua vez, é marcado por uma impulsividade mais severa, aliada a uma maior dificuldade de respeitar pais e professores, lidar com frustrações e, consequentemente, estudar e socializar. Estima-se que, em todo o mundo, cerca de 5% das crianças e 2,5% dos adultos tenham TDAH. Mais da metade dessas pessoas apresenta também o TOD.
Os pesquisadores acompanharam 66 crianças com TDAH e TOD, divididas em três grupos. Um grupo seguiu o tratamento convencional, determinado por um médico especializado. Os outros dois grupos fizeram o tratamento convencional e também foram submetidos a um programa de treinamento de pais: um deles na modalidade presencial, acompanhados por uma equipe de médicos e de psicólogos, e o outro on-line. “O resultado mais relevante foi que não houve diferenças entre as modalidades de treinamento, presencial ou digital”, destaca o neuropsicólogo Jonas Jardim, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina, um dos autores do estudo que valida o uso da plataforma on-line para o treinamento de pais.
Acessibilidade e bem-estar
O trabalho demonstra ainda que o treinamento a distância pode ser mais acessível e abrangente do que a intervenção convencional e tem o potencial de derrubar as barreiras de acesso às intervenções presenciais. A pesquisa indicou que estratégias como a comunicação por e-mail e por WhatsApp foram muito eficazes na adesão dos pais ao treinamento on-line. Segundo o pesquisador, em países de renda média, o uso de programas de treinamento on-line pode ampliar o acesso a tratamentos eficazes, reduzir disparidades no cuidado da saúde mental e beneficiar famílias em regiões com recursos limitados. No Brasil, onde há poucas políticas públicas eficazes para o tratamento do TDAH, ainda é difícil o acesso dos pais ao treinamento.
Fatores como indisponibilidade de serviços especializados, preço de sessões de terapia e desafios logísticos, independentemente do tamanho das cidades, podem impedir o acesso de famílias ao treinamento presencial. De acordo com Jonas Jardim, o treinamento on-line poderia ser disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). “Por ser autodirigida, a plataforma digital é mais facilmente adequada à realidade de cada família e tem o potencial de alcançar um grupo maior de pessoas ao mesmo tempo, e isso com um custo baixo”, diz.
A expectativa, segundo o pesquisador, é que a redução do impacto desses transtornos na infância possa resultar em ganhos para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, o que pode ocasionar melhorias na qualidade de vida e nos índices de satisfação pessoal. Os coordenadores do estudo preveem a realização de pesquisa futura para explorar evidências adicionais sobre a eficácia dessas intervenções e sua aplicabilidade em diferentes contextos.
Plataforma
A plataforma Treinamento de Pais On-line foi desenvolvida especialmente para fins de pesquisa, sob supervisão da equipe do serviço de psicologia/neuropsicologia do Núcleo de Investigação da Impulsividade e Atenção (Nitida). O trabalho foi coordenado pela psicóloga Gabrielle Chequer de Castro Paiva, sob orientação da pediatra Débora Marques Miranda, professora da Faculdade de Medicina da UFMG e subcoordenadora do NeuroTec-R. Associado ao Centro de Tecnologia em Medicina Molecular (CTMM) da Faculdade de Medicina da UFMG, o Nitida desenvolve atividades de ensino e pesquisa.
NeuroTec-R
Com financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o INCT NeuroTec-R é uma rede de pesquisa de alto padrão tecnológico-científico que propicia o desenvolvimento de estudos sobre o cérebro e o desenvolvimento responsável. Sediado no Centro de Tecnologia em Medicina Molecular da Faculdade de Medicina da UFMG, o órgão, que conta com pesquisadores de várias regiões do Brasil e de outros países, é um dos primeiros a adotar como princípio o conceito de Pesquisa e Inovação Responsáveis (PIR).
Concebida na Europa, essa abordagem de pesquisa é caracterizada pela análise crítica das informações geradas e utilizadas, com participação ativa não apenas dos pesquisadores, mas também de representantes de todos os setores da sociedade (legisladores, políticos, educadores, empreendedores e cidadãos). O objetivo é dar atenção a aspectos que possivelmente não seriam percebidos no modelo tradicional de fazer ciência, o que pode contribuir para a construção de uma sociedade mais responsável com o futuro.
(Texto de Marcus Vinicius dos Santos)