Grupo da Escola de Engenharia da UFMG desenvolve tecnologias para extrair e recuperar metais valiosos em produtos eletroeletrônicos

A investigação de rotas industriais para extração e recuperação de metais valiosos contidos em lâmpadas de LED – gálio, índio e ouro – tem mobilizado pesquisadores de grupo coordenado pela professora Liséte Celina Lange, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental (Desa). A intenção é conhecer e otimizar processos, para estimular o correto beneficiamento de componentes de eletroeletrônicos descartados, hoje exportados como peças de baixo valor.

A chamada mineração urbana, que busca metais nos objetos do cotidiano, já alcançou grande relevância econômica, a ponto de mineradoras passarem a adquirir circuitos impressos, cuja concentração de metais, mesmo em microgramas, tem valor de mercado. Ao mesmo tempo, “há empresas brasileiras que apenas vendem, para a Europa e os Estados Unidos, eletroeletrônicos descaracterizados e desmontados”, alerta a professora, que orienta trabalhos em duas outras grandes linhas de pesquisa: gestão de resíduos – que inclui ações de logística reversa de embalagens e economia circular – e identificação e remoção de micropoluentes em mananciais e estações de tratamento de água.

Licores metálicos

Fabricadas principalmente na China, as lâmpadas de LED podem ser fontes para obtenção de metais em cuja produção o Brasil não é autossuficiente, como gálio e índio. O caminho ainda é pouco explorado, afirma a professora Liséte Lange. O grupo de pesquisa Soluções Integradas para Gestão de Resíduos (Sigers), que ela coordena, tem estudado duas rotas de extração: uma hidrometalúrgica, em que são usados ácidos para solubilizar o material, que depois volta a ser solidificado, e outra de separação por membranas, que agrega mais valor.

“Algumas empresas no Brasil fazem a recuperação de eletroeletrônicos por rotas pirometalúrgicas, em que os metais são separados em processos de diferentes temperaturas”, descreve a pesquisadora, lembrando a importância de se conhecer e aperfeiçoar tecnologias para alcançar melhores resultados. “Estamos olhando desde o desmonte da lâmpada, pensando no catador, até as melhores formas para a extração do metal desses materiais, pois nos preocupamos com os resíduos que ficam no país e não estão sendo explorados adequadamente”, enfatiza.

Segundo ela, os catadores devem ser orientados para fazer separação correta dos componentes, de modo a alcançar volume de materiais com valor agregado para venda a empresas que produzam licores metálicos que, mesmo em baixas concentrações, podem ser utilizados em áreas como medicina e pigmentação.

Logística reversa

Quanto vale no mercado cada peça de um computador velho e desmontado? Conceitos como precificação, taxa de reciclagem e de reciclabilidade, fundamentais na cadeia de gestão de resíduos e na chamada economia circular, são objeto de trabalhos acadêmicos orientados pela professora Liséte Lange. Três pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos têm estudado parâmetros para estabelecer  esse tipo de valor. “A Europa já tem alguns modelos padronizados. Queremos ver se é possível replicar aqui ou se temos materiais muito específicos”, explica a pesquisadora, enfatizando que os projetos também têm enfoque social e consideram as associações de catadores como parte fundamental da cadeia de triagem.

Outros estudos sob a orientação de Liséte Lange abordam a formação de arranjos territoriais ótimos, isto é, aglomerados de municípios que compartilham uma estrutura com áreas para triagem, disposição e recuperação de material reciclável destinado às indústrias. “Temos estudado a logística reversa em termos de modelagem matemática para avaliar onde essas estruturas devem ser alocadas nos municípios, para que se consiga recolher o máximo de embalagens e se dê um bom direcionamento às centrais de triagem”, ressalta a professora.

Em tese defendida neste ano, Maria Claudia Lima Couto apresenta um modelo, validado para os 76 municípios do estado do Espírito Santo, com base em cinco cenários distintos, para localização das centrais de triagem e sua relação com associações de catadores, aterro sanitário e outros equipamentos da cadeia. O tema foi tratado em dois artigos que estão no prelo e serão publicados no periódico Waste Management & Research e na Revista Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.

No início dos anos 2000, a cadeia de triagem elaborada pelo Sigers e adotada em Catas Altas (MG) tornou-se modelo para aterros sustentáveis de pequenos municípios. Depois disso, foi criada a norma brasileira técnica e ambientalmente adequada para aterros em cidades de pequeno porte, o que corresponde a pelo menos 80% dos municípios do país. “À época, ganhamos o primeiro lugar em mostra internacional de engenharia e saúde pública”, relembra a professora Liséte.

Poluentes emergentes

Estudos investigam potencial tóxico de medicamentos presentes em mananciais

Uma terceira linha do Sigers pesquisa a ecotoxicidade de fármacos e a contaminação de mananciais. Entre as teses que estudaram fármacos de diferentes grupos – antibióticos, antidepressivos, analgésicos –, estão a de Raquel Sampaio Jacob e a de Lucilaine Valéria Santos, que analisaram os medicamentos mais utilizados no Brasil e sua presença em mananciais, observando a degradação dos fármacos e a formação de compostos que podem conferir toxicidade ao meio ambiente. Raquel Jacob avaliou diversas tecnologias de tratamentos que podem ser empregadas na remoção desses compostos.

Liséte Lange conta que os estudos sobre esse tema surgiram do interesse em alguns antibióticos que eram encontrados em efluentes oriundos da própria indústria, resultantes da fabricação. “Procuramos, assim, mensurar a concentração e entender o que está acontecendo no processo”, explica a professora, acrescentando que se trata, nesse caso, de moléculas muito resistentes, feitas justamente para atacar bactérias no corpo humano.

Muitas vezes excretadas na urina, tal qual foram consumidas ou como subprodutos resultantes da reação dessas grandes moléculas no meio, essas moléculas seguem para as estações de tratamento de esgoto, de onde saem sem sofrer nenhum tipo de quebra, e, de lá, vão para os mananciais. “Em geral, são concentrações muito baixas, na faixa de nanogramas a microgramas, mas é fundamental saber qual o efeito delas no manancial e na biota, quais são, de fato, as concentrações encontradas e os processos de tratamento para remoção”, enumera a pesquisadora.

Em sua tese, que também resultou em artigos publicados, Raquel Sampaio Jacob selecionou alguns medicamentos para investigação detalhada de suas ações na cadeia trófica: “ela examinou o efeito de diversas concentrações em peixes, bactérias e algas, estudando toxicidade aguda e crônica”, conta a orientadora.

Raquel Jacob usou instrumentos padronizados, como o teste de fuga, em que animais colocados em um conjunto de recipientes com diferentes concentrações de medicamentos migram para ambientes com concentrações mais baixas. “A fuga das espécies já é um importante indicativo, pois mostra que não só a morte tem significado relevante. Antes de morrer, o animal tenta encontrar um ambiente mais adequado”, explica a coordenadora do Sigers.

A mesma tese mostrou resultados de estudos com excipientes, substâncias ditas inertes, incorporadas como coadjuvantes a medicamentos. Testes mostraram que, em alguns casos, esses compostos eram ainda mais tóxicos que os princípios ativos. Liséte Lange enfatiza que esse tipo de estudo é possível porque o grupo detém um espectrômetro de massa de alta resolução, que possibilita identificar e quantificar as substâncias, mesmo em concentrações muito baixas.

Em parceria com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e com companhias de saneamento das cinco regiões brasileiras, o grupo também está estudando a qualidade da água que entra e que sai nas estações de tratamento. “A ideia é observar se essas moléculas estão sendo retiradas ou se permanecem na água tratada”, explica a professora, que atualmente orienta uma dissertação e duas teses sobre o assunto.

Além disso, a Funasa quer reunir elementos para contribuir com a portaria de potabilidade de água do Ministério da Saúde, ao observar se seria o caso de indicar outros compostos que devem ser avaliados nos mananciais e seus valores máximos permitidos. “Para determinar esse valor, precisamos de ferramentas de análise de risco que nos possibilitem encontrar as concentrações corretas de determinados compostos”, diz Liséte Lange, acrescentando que, nesse campo, seu grupo tem buscado parcerias com pesquisadores de países como Espanha e Portugal.

Ana Rita Araújo - Boletim 1994

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