HC-UFMG é o primeiro hospital de Minas a usar pele de tilápia para tratar doença rara em mulheres
Pacientes portadoras da síndrome de Rokitansky, ou anegesia vaginal, acompanhadas pelo SUS serão encaminhadas para o procedimento
O Hospital das Clínicas (HC) da UFMG/Ebserh é o primeiro hospital de Minas Gerais a aplicar a técnica cearense que utiliza pele de tilápia para reconstruir o canal vaginal de mulheres portadoras da síndrome de Rokitansky, doença rara que provoca alterações na formação do útero e na vagina, fazendo com que se encontrem pouco desenvolvidos ou ausentes. Duas mulheres foram operadas na última sexta-feira, 26 de novembro, e passam bem. Agora, o HC recruta outras pacientes de Minas Gerais com o mesmo diagnóstico e em tratamento no SUS para realizarem o procedimento.
A técnica, que ainda está em fase de pesquisa clínica – ou seja, sem uso comercial –, utiliza a pele de tilápia para recobrir o canal vaginal aberto cirurgicamente nessas mulheres. A cirurgia clássica, habitualmente realizada há mais de 20 anos, reconstrói o canal vaginal com uso de enxertos de pele da própria paciente ou material sintético. Porém, desde 2017, a pele de tilápia tem sido usada com sucesso em mulheres cearenses com a doença por possuir uma série de vantagens.
“A pele da tilápia contém uma grande quantidade de colágeno tipo 1, que a torna tão forte e resistente quanto a pele humana. Além disso, o processo de manufatura da pele de tilápia é rápido e barato”, disse o idealizador da técnica ginecológica, o professor Leonardo Bezerra, médico na Maternidade-Escola Assis Chateaubriand (MEAC/UFC), localizada em Fortaleza, no Ceará, instituição hospitalar que integra a Rede Ebserh.
Outra grande vantagem destacada por Bezerra é o baixo risco de rejeição. Ele explica que, por se tratar de um animal aquático, não existe cruzamento de infecções entre os seres humanos e a tilápia, diferentemente do que acontece com as próteses industriais, que utilizam materiais bovinos e suínos. As peles chegam ao bloco cirúrgico esterilizadas, embaladas a vácuo e prontas para o uso, após passarem por processo que engloba o beneficiamento, a limpeza e a extração, sob a coordenação do Núcleo de Processamento e Desenvolvimento de Medicamentos da UFC.
Cirurgia
A cirurgiã e coordenadora do Setor de Uroginecologia do HC, Marilene Vale C. Monteiro, explica que a cirurgia, considerada de média complexidade, tem duração de aproximadamente uma hora. O cirurgião cria um espaço entre a vagina e o reto, forrando-o com a pele de tilápia. Um molde em formato de vagina é então colocado nesse espaço para impedir que as paredes da "nova vagina" se juntem enquanto as células dos tecidos da paciente e as células e fatores de crescimento liberados pela pele de tilápia se transformam em um novo tecido com células iguais à de uma vagina real.
“As mulheres com a síndrome de Rokitansky, ou anegesia vaginal, nascem sem o canal vaginal, e os sintomas variam. Se elas não realizarem a cirurgia, não há como a menstruação descer, se a mulher tiver o útero, e elas terão dificuldade em manter relação sexual”, acrescenta.
A técnica, ainda em fase de estudo comparativo pelo Hospital das Clínicas – entre duas abordagens, uma delas utilizando a pele de tilápia –, vem sendo aplicada desde 2017 no Ceará e já beneficiou 25 pacientes em todo o país.
A doença
A síndrome de Rokitansky é uma doença rara que afeta uma em cada cinco mil nascidas vivas. As mulheres nascem sem o canal vaginal e os sintomas variam, dependendo da malformação que a paciente apresenta. Os mais comuns são ausência de menstruação e dificuldade em manter o contato íntimo.
“É uma doença muito rara. Se a mulher não fizer a cirurgia, não tem por onde a menstruação descer quando ela tem útero, não é possível ter relação sexual”, disse a cirurgiã e coordenadora do Setor de Uroginecologia do HC-UFMG/Ebserh, Marilene Vale C. Monteiro.
Regenerador natural
A pele de tilápia também vem sendo utilizada com muito sucesso no tratamento de queimados, realizado no Ceará desde 2015, implantado pelo cirurgião plástico Edmar Maciel, coordenador da pesquisa e presidente do Instituto de Apoio ao Queimado (IAQ), vinculado ao Instituto Dr. José Frota (IJF), localizado em Fortaleza (CE) que já aplica a membrana como um regenerador natural da pele humana.
Na área ginecológica, além de auxiliar no tratamento da síndrome de Rokitansky, também chamada de agenesia vaginal, a pele de tilápia é utilizada em cirurgias de redesignação sexual e reconstrução vaginal após radioterapia para câncer de vagina.
Sobre a Ebserh
O Hospital das Clínicas da UFMG, referência em procedimentos de média e alta complexidade, principalmente nas áreas de transplante, reprodução humana, cardiologia, neurologia e oncologia, integra a Rede Ebserh desde 2013. Vinculada ao Ministério da Educação (MEC), a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) foi criada em 2011 e, atualmente, administra 40 hospitais universitários federais, apoiando e impulsionando suas atividades por meio de uma gestão de excelência.
Vinculadas a universidades federais, essas unidades hospitalares têm características específicas: atendem pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), e, principalmente, apoiam a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de pesquisas. Devido a essa natureza educacional, a os hospitais universitários são campos de formação de profissionais de saúde.
Com isso, a Rede Ebserh atua de forma complementar ao SUS, não sendo responsável pela totalidade dos atendimentos de saúde das regiões em que os hospitais estão inseridos.