Investigação da UFMG revela baixo potencial de macacos como transmissores de leishmaniose ao principal vetor da doença
A leishmaniose visceral é uma doença zoonótica de alcance mundial causada pelo protozoário Leishmania infantum. É endêmica no Brasil, e seu principal vetor de transmissão é o mosquito-palha (Lutzomyia longipalpis). Em 2010, foi registrado o primeiro caso de leishmaniose visceral clínica em um primata não humano no zoológico de Belo Horizonte. “Desde então, sabe-se que os primatas não humanos são suscetíveis à infecção pelo protozoário. Mas ainda pouco se conhece sobre o papel dos macacos como reservatórios do parasita, ou seja, sua habilidade de manter o patógeno no organismo e disponibilizá-lo para o vetor”, afirma a veterinária Ayisa Rodrigues de Oliveira, doutoranda em Patologia Animal na Escola de Veterinária da UFMG.
Ayisa é a principal autora do artigo Competence of non-human primates to transmit Leishmania infantum to the invertebrate vector Lutzomyia longipalpis, publicado em abril deste ano na revista científica Plos Neglected Tropical Diseases e divulgado na plataforma PubMed, da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos. “Avaliamos o potencial de transmissibilidade da leishmaniose visceral por espécies de primatas utilizando o xenodiagnóstico. O processo consiste na exposição dos macacos aos mosquitos ‘limpos’ da doença (assépticos), com posterior exame dos vetores para detectar a contaminação pelo protozoário”, explica a autora.
Uma das conclusões do estudo, segundo a pesquisadora, foi a de que os macacos são, de fato, capazes de transmitir o patógeno para o mosquito-palha, mas, de maneira semelhante ao que ocorre com os seres humanos na leishmaniose visceral por L. infantum, é baixa a carga transferida do micro-organismo. “Os macacos possivelmente se comportam como hospedeiros terminais, ou seja, não têm participação relevante no ciclo de transmissão. Sua carga parasitária é potencialmente insuficiente para que o mosquito consiga infectar e provocar a doença em outro hospedeiro. Contudo, eles ajudam na manutenção do agente no ambiente”, analisa Ayisa Rodrigues. Ela acrescenta que estudos de natureza análoga, dos quais também participou, indicam que o cão doméstico é o animal tido como “hospedeiro amplificador” da doença, capaz de gerar cargas parasitárias com poder de infectar outro hospedeiro.
O trabalho, multidisciplinar, foi realizado por Ayisa e outros pesquisadores do Departamento de Clínica e Cirurgia Veterinária da UFMG, em parceria com os departamentos de Parasitologia e de Patologia Geral, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte e do Instituto René Rachou, da Fiocruz Minas.
Saúde e conservação
O experimento com os primatas foi realizado de abril a junho de 2017, na Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte. A pele da orelha dos animais, por ter menos pelo e ser um alvo mais fácil, foi exposta durante 30 minutos a enxames de mosquitos-palha criados no laboratório do professor Nelder Gontijo, do ICB. Em oito dos 52 animais – chimpanzés, micos-leões dourados, macacos-pregos e um macaco talapoin – submetidos ao xenodiagnóstico, foi confirmada a presença do protozoário. O número de protozoários detectados nos vetores variou de 5,67 a 1.181,93 por micrograma de DNA. Segundo Ayisa Rodrigues, no caso de cachorros infectados, o índice chega a ser 30 vezes maior.
Também envolvido na investigação, o professor Renato de Lima Santos enfatiza que o trabalho é relevante tanto para o planejamento em saúde pública quanto para o desenvolvimento de estratégias de medicina de conservação – área que tem recebido cada vez mais atenção na medicina veterinária. “No caso específico dos zoológicos, é importante que eles ofereçam boas condições para o estudo das enfermidades nos animais selvagens e mantenham ambientes com bom manejo sanitário”, defende o professor.
Artigo: Competence of non-human primates to transmit Leishmania infantum to the invertebrate vector Lutzomyia longipalpis
Autores: Ayisa Rodrigues de Oliveira, Guilherme Gomide e Renato Lima Santos, da Escola de Veterinária da UFMG; Ricardo Fujiwara e Nelder Gontijo, do Departamento de Parasitologia, e Tatiane Alves, do Departamento de Patologia Geral, do ICB/UFMG; Herlandes Tinoco, Maria Elvira Loyola, Carlyle Mendes e Angela Tinoco, da Fundação de Parques Municipais e Zoobotânica de Belo Horizonte; Edelberto Santos, Érika Monteiro, Fabiana de Oliveira, Andreza Maia e Nathália Pereira, do Instituto René Rachou, da Fiocruz Minas.