Investir em educação, lazer, cultura e saúde é investir em esportes, defende professor da UFMG

Tarcísio Vago reflete sobre a importância de políticas públicas integradas que propiciem medalhas, mas também divertimento e uma vida cidadã

“Acreditar na juventude, acreditar na rapaziada, como diria a música, e a rapaziada dá o show quando tem a oportunidade de mostrar a sua potência!”, enaltece Tarcísio Mauro Vago, professor do Departamento de Educação Física da UFMG, ao refletir sobre o futuro dos esportes no Brasil.

O sucesso de estrelas nacionais nas Olimpíadas de Tóquio – como Rayssa Leal, Isaquias Queiroz e Rebeca Andrade – tem cativado as crianças e despertado seu interesse por determinadas modalidades esportivas. Além disso, muitos têm se perguntado se o Brasil poderia se tornar uma potência esportiva, com medalhas em esportes cada vez mais diversificados. Segundo Tarcísio, que atua na docência de Educação Física e em escolas há mais de 35 anos, para que esse interesse tenha repercussões no futuro do país é preciso que exijamos investimentos em uma combinação de políticas públicas, que inclui não apenas a área do esporte, mas também da educação, do lazer, da cultura e da saúde.

“Para resultados, é só esperar. Desde que as oportunidades sejam criadas e que as pessoas sejam incentivadas. Essa combinação de políticas públicas é essencial tanto para dar espaço a pessoas que se dediquem ao esporte, que desenvolvam carreiras competitivas, quanto para quem não quer ser atleta olímpico; ela é fundamental para a criação de uma vida cidadã, para que as pessoas sejam felizes. E o esporte não é bom só quando traz medalhas. Ele pode ser bom para uma existência digna, bonita, que todas e todos merecemos", assegura.

O professor é um dos entrevistados pela TV UFMG em vídeo produzido sobre a busca por novas modalidades esportivas que foi inspirada pelas Olimpíadas. Assista:

(equipe de reportagem: Miryam Cruz - produção e reportagem; Márcia Botelho - edição de imagens; Naiana Andrade - edição de conteúdo).

Educação para uma vida cidadã

Tarcísio ressalta que a escola deve ser valorizada como um dos principais pontos de acesso à prática esportiva: “o Brasil tem 56 milhões de estudantes. Mais de 90% destes estão em escolas públicas. Devemos cuidar da escola pública para que tenhamos uma educação de qualidade em todos os sentidos, desde o prédio da escola, os equipamentos, os materiais, até os salários de todos os profissionais da educação. É um grande investimento. Seriam 56 milhões de estudantes tendo o direito também aos primeiros contatos com práticas como a dança, os esportes, a ginástica, a capoeira, e tantas outras”.

Para o docente, o investimento na área da educação vai muito além de possibilitar futuros atletas olímpicos; é uma garantia de aprendizado em geral, de formação para a vida cidadã, merecida por todos. “E se alguns desejarem ser atletas, ótimo”.

Incentivo ao lazer

Outra política fundamental de curto, médio e longo prazos, para Tarcísio, é a do incentivo ao lazer. Ela deve ser aberta para todas as pessoas e garantida pelos municípios, estados e governo federal. “Onde estão os nossos clubes públicos? Eles são fundamentais”, argumenta o professor, que lembra que apenas em Belo Horizonte há mais de 30 parques públicos, ótimos lugares para desenvolvimento de políticas de lazer, de esporte, de cultura para a população.

“Isso deve ser feito nos bairros, nas regionais das cidades, com a presença de educadores das áreas de educação física, de música, de dança e de tantas outras, para uma formação das crianças e adolescentes”, explica. “Quanto maior for a participação da população em políticas públicas de lazer, maiores serão as chances de ter pessoas que queiram se dedicar à carreira de atletas”.

Pessoas como patrimônios culturais

A terceira política pública ressaltada por Tarcísio é a de cultura. Ele argumenta que o investimento do país na formação cultural de todas as pessoas - em todos os campos, como a música, dança, artes plásticas, teatro e cinema – confere também às pessoas a possibilidade de uma vida cidadã, rica em experiências e em conhecimento de tudo aquilo que produzimos e inventamos como país.

“Isso pode ser feito em diálogo com as juventudes do nosso país. Devemos investir em cada jovem, porque cada jovem é um patrimônio cultural. Veja a Rayssa Leal, as origens dela praticando skate nas ruas da cidade. Essa ocupação dos espaços da cidade, com projetos interessantes, de todas as áreas da cultura, fará com que crianças, adolescentes, adultos e idosos possam mostrar a sua potência, tudo aquilo que podem realizar”, afirma.

Saúde física, saúde mental e garantia de direitos

Para Tarcísio, o esporte precisa ir além do interesse em acumular medalhas e levar em conta tanto a saúde física quanto o psicológico de cada indivíduo. Quando essa concepção não é levada em conta, quando há apenas um uso comercial ou político do esporte, ele pode se tornar um risco para a saúde mental, pois há outras dores a serem consideradas além das físicas: a opressão de crianças e jovens, o uso de doping, o assédio sexual e muitas outras.

O professor exemplifica com o caso de Simone Biles, atleta de ginástica artística dos Estados Unidos que precisou abdicar de competições olimpíadas em Tóquio para se proteger mentalmente. “Não estou entre aqueles que acham que o esporte é um bem acima de tudo. Depende. Nenhuma medalha, e Simone Biles provou isso, vale a história de vida de uma pessoa, vale a sua saúde”.

Atualmente em foco mundial em razão da covid-19, a ideia de política pública da saúde, segundo o professor da UFMG, precisa ser expandida para se tornar aquela que é resultado da realização e direito das pessoas. “Está aí o Sistema Único de Saúde [SUS] salvando a população brasileira durante a pandemia, antes dela e depois dela. Um sistema que garanta esse direito fundamental para viver com dignidade, para que então a população tenha uma vida saudável, não apenas por não ter doença, mas porque tem cultura, esporte, educação”, pondera.

Formação do atleta

Além de todas as políticas públicas citadas, é preciso também fortalecer a política específica do esporte. Nesse caso, diferentemente do incentivo ao lazer, agora falamos de uma política focada para aqueles que desejam se dedicar ao esporte como atletas. “Isto tem todas as condições para acontecer se nós investirmos também na formação de atletas, dando a eles desde cedo a chance de combinar sua formação escolar, imprescindível, com a formação de atleta, se desejarem. Este apoio público é decisivo”, pontua Tarcísio sobre a possibilidade de crescimento do Brasil como potência competitiva em esportes.

O financiamento do setor deve ser destacado como uma medida fundamental: “Tomem o exemplo da Rebeca Andrade, que nos fez ficar tão felizes. Ela começou em uma política pública da cidade de Guarulhos, em São Paulo, desde cedo. O município pode fazer esse investimento, bem como o estado e o país! Nós já tivemos isso no nosso país. E essa política está sendo desmontada”, lamenta o docente, que conclui defendendo a importância de se financiar atletas e treinadores, bem como de utilizar recursos públicos para a criação de centro específicos espalhados pelo Brasil.

Com a combinação de todas essas frentes, Tarcísio acredita ser possível pensar muito além das Olimpíadas e chegar a uma população mais feliz. Ele recupera a origem do termo esporte, que tem o divertimento como um dos significados. “O que eu desejo é que o esporte seja muito mais uma diversão, um encontro entre as pessoas, do que competição desenfreada entre elas. Mais divertimento nas escolas, nas ruas, nas praças, ou seja, nas políticas públicas de educação, de lazer e de cultura. Se vierem medalhas, ok. Mas a principal conquista não são elas. É uma vida bonita para todas e para todas”.

Assessoria de Imprensa UFMG

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Assessoria de Imprensa UFMG