Jacyntho Lins Brandão, da UFMG, traduz ‘epopeia’ do século 13 a.C. registrada em argila

Texto foi escrito em acádio, a mais antiga língua semítica conhecida; lançamento será nesta sexta

“Ele que o abismo viu” é o primeiro verso – e, consequentemente, o nome – de um dos mais antigos registros literários de que se tem conhecimento: a “epopeia” de Gilgámesh. Escrito originalmente no século 13 a.C. sobre pequenas tábuas de argila e em acádio (a mais antiga língua semítica registrada), o poema narra a história de um rei que, em tudo dado aos excessos, parte em uma busca heroica – e malfadada – pela imortalidade, enfrentando os deuses.

Os leitores brasileiros terão acesso a uma versão da obra traduzida da mais nova edição crítica do texto acádio para o nosso português. Com uma bolsa de produtividade em pesquisa do CNPq, Jacyntho Lins Brandão, professor da Faculdade de Letras, pôde trabalhar durante os últimos quatro anos no poema, intercalando o trabalho com as demais atividades de sua rotina didática e intelectual.

O livro que compila o resultado do trabalho será lançado em Belo Horizonte no próximo dia 10, sexta-feira, às 18h30, na Crisálida Livraria, que fica na Avenida Augusto de Lima, 233, sobreloja 25, Centro (Edifício Maletta). Ele que o abismo viu: epopeia de Gilgámesh é uma publicação da Autêntica Editora.

Descobertas

Em 1985, o pesquisador Ordep José Trindade Serra já havia realizado uma primeira tradução do poema. "É um trabalho de excelente qualidade e atualizado em relação à época em que foi escrito”, elogia Jacyntho. No entanto, ressalva, face às restrições da época, a versão era “um apanhado de textos distintos muitíssimo fragmentados”, capaz apenas “de apresentar um fio narrativo mínimo”.

Descobertas recentes de novas tabuinhas e fragmentos motivaram o projeto de uma edição crítica mais completa. “A tabuinha cinco, por exemplo, só foi encontrada nesta década”, conta Jacyntho, lembrando que a transcrição e edição feita dela são ainda mais recentes – datam de 2014. A tradução do professor pôde contemplar todas essas novas descobertas. “Na verdade, fui pego pela descoberta dessa quinta tabuinha no meio de meu processo de tradução. Tive de voltar a essa parte e fazer tudo de novo”, diverte-se Jacyntho.

“A tradução que ofereço pretende-se bastante próxima do original babilônico, observando as convenções poéticas dele próprias”, explica. “A poesia acádia, como a de outras línguas semíticas antigas, não tem como base qualquer esquema métrico fixo, mas constrói um ritmo baseado em unidades sintáticas, um verso comportando, em geral, duas dessas unidades. Além disso, pode-se dizer que, entre outros recursos poéticos, os mais relevantes são os de natureza paralelística, que envolvem expressões, versos, trechos e mesmo falas e cenas inteiras, o que também marca, no seu nível, o ritmo do texto”, escreve o professor em um artigo sobre a tradução.

Uma das novidades do livro traduzido por Jacyntho é uma indicação de autoria, o que não existia em nenhuma versão anterior: o poema é atribuído a Sin-léqi-unnínni, um escriba, que, por volta dos séculos 13 ou 12 a.C., teria remanejado relatos anteriores (que remontam a uma tradição poética que pode ter-se iniciado há quatro mil anos), compilando-os na sua versão.

A ordem dos fatores

A arqueologia material de Ele que o abismo viu é relativamente recente: se a última tabuinha descoberta – das 12 que compõem o poema – só foi encontrada nesta década, os primeiros achados relativos ao texto são dos anos 70 do século 19. “É curioso pensar que, antes disso, não tínhamos a mínima ideia de que essa história existisse”, comenta Jacyntho. O dado é particularmente curioso na medida em que, no poema, podem ser encontrados vários dos mitos – a criação do homem a partir da argila, a ideia de viagem como conhecimento, a planta da juventude, o dilúvio e a arca, o barqueiro da morte – que vão se tornar conhecidos por meio de tradições literárias, como a grega e a cristã, posteriores ao poema.

Jacyntho resume as ideias que conduzem a história. “Após [o fracasso de] sua jornada de conhecimento, Gilgámesh termina retornando ao seu reino, onde tudo começou. Nesse sentido, uma das ideias presentes na obra é a de que a vida do homem se realiza na cidade: de alguma forma, o poema fala sobre a civilização, sua importância”, diz o professor. “Na medida em que Gilgámesh não alcança a pretendida imortalidade, a história parece tratar, também, da importância de se aproveitar a vida. É como se dissesse: a vida do homem é essa aí”, conclui.

No livro, além de denso ensaio introdutório, o professor da Faculdade de Letras oferece uma enorme quantidade de comentários para cada capítulo – em média, cada página de poema recebe, ao fim do volume, duas de comentários. Em razão dessa particularidade, o tradutor optou por classificar a obra como “tradução comentada”, ou seja, uma tradução “que termina por deixar expostas as dificuldades enfrentadas pelo tradutor, tanto no que diz respeito à decifração do texto quanto às opções assumidas ao vertê-lo, com base em critérios de relevância”.

Livro: Ele que o abismo viu: Epopeia de Gilgámesh
Autor: Sin-léqi-unnínni
Autêntica Editora
336 páginas / R$ 59,80

Agência de Notícias UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG

(31) 3409-4476 / 3409-4189

ufmg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa

Serviço

Jacyntho Lins Brandão, da UFMG, traduz ‘epopeia’ do século 13 a.C. registrada em argila

Dia 10 de novembro de 2017 (lançamento)

18h30

Crisálida Livraria - Av. Augusto de Lima, 233 (Edifício Maletta), sobreloja 25, Centro - Belo Horizonte