Livro documenta a história de Luiz Bicalho na filosofia (e na vida) política mineira
Morto em 1994, professor da Fafich da UFMG foi referência intelectual para a esquerda, ao articular a militância com a reflexão acadêmica; obra será lançada no dia 30
Luiz de Carvalho Bicalho (1920-1994) é um nome incontornável da história política e intelectual de Minas Gerais. Nos anos 1940 e 1950, realizou-se como ativista político, intelectual orgânico e liderança local do Partido Comunista Brasileiro, atuando como secretário em sua seção mineira. Mais tarde, a partir dos anos 1960, consolidou-se como uma referência intelectual para a esquerda acadêmica do estado, passando a se dedicar mais intensamente à atividade docente no Colégio Municipal (1958-1980) e na UFMG (1959-1988), instituição na qual duas décadas antes ele se formara filósofo. A despeito desse direcionamento de sua carreira para a docência, Bicalho nunca abandonou “a causa socialista, ou, antes, comunista”, como situa o professor Ivan Domingues, ex-aluno e amigo. Ao contrário, sempre foi, com justiça, reconhecido como um professor efetivamente marxista. O livro Luiz de Carvalho Bicalho: memórias de uma trajetória intelectual e política será lançado nesta quinta-feira, dia 30, às 19h30 na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466, Centro, Belo Horizonte).
Luiz Bicalho participou ativamente da implantação da pós-graduação em filosofia na UFMG e ajudou a fundar o Sindicato dos Professores de Universidades Federais de Belo Horizonte e Montes Claros (Apubh). Em razão de toda essa história, o principal auditório da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich) da UFMG leva o seu nome. “Luiz era percebido como alguém talhado para os questionamentos e as discussões, ficando mais à vontade em seminários e em petits comités do que no púlpito e em cursos monográficos ou aulas magistrais. Dois foram seus modelos: por um lado, Sócrates, como ele reconheceu desde cedo; por outro, Sartre, que ele descobriu mais tarde, nos tempos em que estava de saída do Partido Comunista Brasileiro”, situa Ivan.
A história dessa referência para a filosofia e para a política mineira foi sistematizada no livro Luiz de Carvalho Bicalho: Memórias de uma trajetória intelectual e política, que será lançado pela Editora UFMG nesta quinta-feira, 30, às 19h30, na Academia Mineira de Letras, que fica na Rua da Bahia, 1.466, Centro, em Belo Horizonte. O livro sai pela coleção Incipit, dedicada à preservação da memória da Universidade. O volume foi organizado por Solange Cervinho Bicalho Godoy, filha de Luiz que é professora da Escola de Enfermagem da UFMG, por Miriam Hermeto de Sá Motta, professora do Departamento de História da Fafich especializada em memória e história oral, e pelo próprio Ivan Domingues, professor do Departamento de Filosofia da unidade.
O livro é uma recolha de artigos, depoimentos e registros de proveniência espacial e temporal diversa, que cobrem tanto as atividades do professor e do intelectual (Bicalho tornou-se professor da UFMG em 1963, aposentou-se em 1988 e recebeu o título de professor emérito em agosto de 1994, menos de um mês antes de sua morte) como as do sindicalista e militante político, dentro ou fora da academia. A cerimônia de lançamento ocorre no âmbito do Plano Anual da Academia Mineira de Letras, realizado com apoio da Lei Federal de Incentivo à Cultura e patrocínio do Instituto Unimed-BH e da Cemig.
A grande greve
O livro está dividido em quatro partes. A primeira reúne ensaios sobre a biografia e a trajetória política e acadêmica do homenageado. Em seguida, um segundo bloco de textos colige algumas das suas principais publicações.
Nessa segunda parte, há tanto textos sobre temas teóricos – como as diferentes concepções de “razão”, os pensamentos de Karl Marx e Jean-Paul Sartre, suas grandes paixões intelectuais – quanto outros sobre questões práticas da realidade brasileira. Uma dessas questões foi a grande greve docente de 1984, realizada de 15 de maio a 8 de agosto.
Naquele ano, em sincronia nacional, 35 mil professores de mais de 20 universidades do país pararam por 85 dias. Conforme Luiz registrou em artigo naquele mesmo ano, a luta era por “vencimentos condignos”, mas também por “condições adequadas de trabalho, isto é, verbas para educação”.
Naquela época, “a política salarial do governo concentrava todo seu peso negativo sobre o funcionalismo (de que os professores autárquicos fazem parte), e as verbas destinadas às universidades já eram tão irrisórias que não mais permitiam seu funcionamento. Os professores foram sensíveis a esse agravamento”, anotou Luiz Bicalho, em face de um cenário não muito diferente do cenário dos últimos anos no Brasil. E “o governo, que de início pretendia ignorar a greve, já não mais podia fazê-lo, uma vez que a amplitude do movimento ganhou a opinião pública, transformando a questão das universidades autárquicas numa questão nacional”.
A despeito do vulto alcançado pela greve, Luiz conta que as conquistas de fato alcançadas ocorreram menos no campo material que no campo simbólico, como de resto ocorre em praticamente todo movimento paredista. “Com a greve, o movimento dos professores não obteve o atendimento de suas reivindicações, embora tenha conseguido, por sua amplitude, colocar o problema das universidades federais autárquicas na ordem do dia da sociedade brasileira”, anotou o professor em seu artigo.
A terceira parte do livro é dedicada a textos laudatórios ao professor, como obituários e as homenagens feitas quando da aquisição de suas titulações acadêmicas – por exemplo, quando de sua promoção a professor emérito. A quarta, por fim, é estruturada como um caderno de imagens, em que estão reunidas fotos de sua vida pessoal, política e acadêmica.
Livro: Luiz de Carvalho Bicalho: memórias de uma trajetória intelectual e política
Organizadores: Ivan Domingues, Solange Cervinho Bicalho Godoy e Miriam Hermeto
Editora UFMG
287 páginas
Lançamento: dia 30, quinta-feira, às 19h30, na Academia Mineira de Letras (Rua da Bahia, 1.466, Centro, Belo Horizonte)
(Texto de Ewerton Martins Ribeiro)