Mais de 400 espécies de aranhas são identificadas em estudo com participação da UFMG
Pesquisa compilou dados que reforçam a importância de políticas públicas para conservação de biomas brasileiros
Quantas espécies de aranha existem no Brasil? Quantas estão na Mata Atlântica? Como elas impactam na conservação do meio ambiente? Hoje, as respostas para tais perguntas podem ser encontradas em uma busca no Google. Porém, quem compila essas informações são pesquisadores que trabalham arduamente produzindo e analisando publicações científicas sobre o tema em todo o Brasil. Alguns desses pesquisadores estão na UFMG e no Instituto Butantan, onde foi desenvolvido trabalho que criou um banco de dados com as espécies de aranhas da Mata Atlântica Brasileira com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig).
A iniciativa faz parte de um projeto maior que estuda os biomas brasileiros, desde a sua formação, distribuição e migração da fauna e flora no país. Assim, a pesquisa auxiliou o mapeamento da distribuição das espécies e a entender mais sobre o processo de formação da Floresta Atlântica, com o propósito de preservá-la. As aranhas foram escolhidas como alvo pelo grupo por serem um bom modelo biogeográfico, ou seja, por possuírem diversas espécies, se dispersarem no ambiente e serem sensíveis às condições ambientais.
De acordo com o professor Adalberto Santos, do Departamento de Morfologia do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, também coordenador do projeto, foi realizada a análise e revisão da literatura brasileira observando a taxonomia (descrição e identificação das espécies) e as relações filogenéticas (relações de parentesco) entre as linhagens. O resultado superou as expectativas da equipe responsável, uma vez que se descobriu cinco novas famílias e 418 novas espécies de aranha, o que, segundo o pesquisador, é uma quantidade impressionante.
Santos explica que, comparado a outros insetos e animais, a descoberta de uma espécie de aranhas é algo comum, mas descobrir mais de 400 espécies é, ao mesmo tempo, fantástico e preocupante. “A quantidade de novas espécies que encontramos apenas em uma floresta local é incrível e assustador, pois ficamos pensando quantas delas estão ameaçadas, quantas podem ser extintas e quantas já foram extintas sem nem conhecermos!”.
Impactos positivos
A compilação das publicações ainda permitiu o mapeamento e a observação da distribuição geográfica dos grupos no país. De acordo com os dados obtidos, o conhecimento sobre as aranhas é limitado a nichos regionais e, apesar da Mata Atlântica ser um bioma muito conhecido e estudado, sabe-se pouco sobre a incidência dos insetos no Cerrado e na Caatinga. Além disso, por ser uma floresta grande e densa, algumas áreas ficam carentes de análise.
O professor conta que o projeto inspirou outros pesquisadores a desenvolverem bancos de dados ainda maiores sobre outros invertebrados. Ele destaca o impacto econômico e social do estudo, que embasou outras iniciativas. “Por exemplo, se uma espécie é ameaçada, se existe exploração econômica, como no caso das aranhas caranguejeiras, vendidas como animais de estimação, pode haver intervenção governamental para impedir essa comercialização sem um plano adequado de manejo das espécies”, conta.
O banco de dados também já auxiliou na elaboração de coleções físicas das espécies para consulta em universidades e museus, além de ser base de novos estudos sobre biotecnologia com o veneno das aranhas. “Um analgésico ainda mais forte que a morfina está sendo estudado e desenvolvido utilizando o veneno extraído de algumas espécies de aranhas. Vale dizer que isso só é possível porque coletamos, estudamos e descrevemos as espécies e, com base nisso, outros pesquisadores conseguem trabalhar em pesquisas transdisciplinares”, destaca Santos.
A união dos dados obtidos sobre as aranhas, atrelados a dados de outros animais e da vegetação da região, corroboram os achados de outros estudos que analisam a biodiversidade brasileira. Os pesquisadores apontaram que as unidades de conservação brasileiras protegem apenas 60% da biodiversidade dessas espécies, sendo que essas unidades se concentram nas grandes regiões de estudo, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. As informações geradas pelo estudo têm o potencial de influenciar decisões sobre políticas de conservação ambiental, além de apontar deficiências das unidades de conservação do Brasil a fim de impulsionar mudanças.
Políticas públicas
Santos conta que os trabalhos taxonômicos e as publicações auxiliam na elaboração e revisão do Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. “O maior efeito prático das nossas pesquisas, com certeza, foi a ampliação de políticas públicas de conservação das espécies. Descobrimos quais os grupos mais ameaçados, sua localização e motivos da ameaça e entendemos que essas espécies estavam em áreas de maior risco”. O pesquisador ainda destaca que esses estudos ajudam no mapeamento de quais áreas são mais impactadas pela ação humana e precisam de mais ações de preservação.
As informações do Livro Vermelho contribuem para a definição das principais áreas que precisam de investimento em ações de preservação e auxiliam na tomada de decisão sobre a flexibilização de algumas políticas ou restrição de outras. Como exemplo, o professor destacou a política de mineração em locais com cavernas, que antes restringia as atividades para a preservação da fauna e flora existentes no local, mas hoje abre espaço para a atividade extrativista, condicionado a um relatório prévio sobre as espécies nativas e se elas existiam em outras localidades. Se existissem, não haveria ameaça e a atividade de mineração poderia ser realizada.
“Com a mudança desta política e a exigência de estudos anteriores ao início da atividade de exploração, nunca se coletou tantos dados e invertebrados em cavernas. No passado, o relatório de impacto ambiental para qualquer empreendimento focava em vertebrados e plantas existentes no local, porém, com essa alteração, houve a inclusão dos invertebrados, inclusive das aranhas. Então, agora, empresas de consultoria coletam diversas aranhas em cavernas e nós, especialistas, ajudamos a estudar, identificar e descrever as novas espécies para que se façam políticas de conservação no local”, explica o coordenador do projeto.
Mata Atlântica
A Mata Atlântica é um dos maiores biomas brasileiros e uma das florestas mais ricas em biodiversidade. De acordo com a Fundação SOS Mata Atlântica, a flora presente no bioma representa 5% das espécies mundiais, com mais de 15 mil exemplares. Quanto à fauna, são mais de dois mil vertebrados registrados no bioma, o que também representa 5% do montante mundial.
Apesar de ser uma das mais ricas no mundo em biodiversidade, também é uma das mais ameaçadas. Cerca de 60% dos animais ameaçados de extinção no Brasil são da Floresta Atlântica. Hoje restam somente 12,4% do bioma original e parte dele não é conservado de maneira correta.
Estudos como o do professor Adalberto impulsionam ações de preservação ambiental e destacam o que ainda resiste na floresta. Ao mesmo tempo, geram conhecimento e novas descobertas, como foi o caso das aranhas e dos novos bancos de dados de invertebrados inspirados pelo trabalho da equipe.
Outro ponto importante é que estudos sobre invertebrados ainda são escassos no país e encontrar dados sobre torna-se difícil. O incentivo a pesquisas na área contribui para a divulgação científica quanto às espécies existentes nos biomas brasileiros e, como destacado, auxiliam pesquisas sobre os próprios ecossistemas.
(Texto de Bárbara Teixeira, da FAPEMIG)
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Legendas 1: o Brasil contém 3.103 espécies de aranhas distribuídas em todo o território, o que representa 7,5% das espécies do mundo. Crédito: reprodução Fapemig oficial.
Legenda 2: as aranhas foram as escolhidas para o estudo por suas características biogeográficas. Créditos: Pixabay