Núcleo de História Oral da Fafich UFMG reúne artista, operário, estudante, professor e outros personagens em conversas ao longo do ano
Entrevistas públicas vão revelar memórias sobre 68
Se o mítico ano de 1968 não terminou, como há três décadas assegurou o jornalista Zuenir Ventura, faz todo o sentido que se volte a ele 50 anos depois. E é justamente o que pretende o Núcleo de História Oral (NHO) da UFMG, que programou para este ano série de entrevistas públicas com personagens que viveram aquele ano de diferentes lugares sociais e políticos, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Em sete sessões mensais, pesquisadores do grupo e convidados pretendem conduzir conversas com, entre outros, o professor aposentado da Faculdade de Medicina da UFMG Jota Dangelo, homem de teatro que enfrentou a censura a espetáculos, o militante estudantil Marco Antonio Meyer e o servidor da UFMG Irani Campos, demitido pelo regime ditatorial. Os outros entrevistados, que ainda serão definidos, levarão à pauta o movimento operário, as relações entre gênero e militância e a visão de personagens não engajados. Tema de matéria publicada na edição 2.013 do Boletim UFMG, a série será inaugurada nesta quarta, 18 de abril, às 19h, na sala do Núcleo (1035), na Fafich.
Um dos objetivos do projeto é deslocar a abordagem das memórias sobre 1968 do Rio, de São Paulo e Brasília para a área de Belo Horizonte. “Há muito poucas pesquisas sobre a história regional vinculada àquele momento que trate de lugares de sociabilidade, grupos e sujeitos políticos, engajados ou não”, explica a professora Miriam Hermeto, coordenadora do Núcleo de História Oral, sediado na Fafich. Segundo Miriam, o trabalho do grupo é baseado no movimento de levar a público algo que é privado, as memórias, por meio da constituição de um acervo documental. E as entrevistas públicas transformam o ato do registro em novo momento de publicização e debate.
Memórias não narradas
O ano de 1968 foi de sonhos e frustrações: repressão a estudantes e operários no famoso maio francês, massacre de civis no México, assassinato do líder antirracismo norte-americano Martin Luther King, sufocamento da Primavera de Praga. Ainda antes de tudo isso, no Brasil, cem mil pessoas haviam marchado em protesto contra o assassinato do estudante secundarista Edson Luís e as arbitrariedades dos militares no poder. Em dezembro, o regime decretou o Ato Institucional nº 5 (AI-5).
“Estamos interessados não apenas em 1968, mas também no contexto amplo e no que as pessoas entendem ser tudo aquilo. Nosso entendimento é diferente sobre quem são os sujeitos, por isso incluímos pessoas que não são normalmente chamadas a falar do assunto. Há um conjunto de experiências que transcendem o mito, memórias subterrâneas, emudecidas, não narradas, que não são incorporadas pela historiografia”, afirma o doutorando em História Gabriel Amato, integrante do Núcleo.
Miriam Hermeto acrescenta que a história oral se faz da análise de memórias e representações sobre a história vivida. “E isso também depende do presente. Lembrar de 68 é diferente sob o impacto de eventos recentes, como o impeachment de Dilma [Rousseff] e a prisão de Lula”, diz a professora. Ela informa que a entrevista pública foi criada pelo pesquisador de história oral Ricardo Santhiago, hoje na Universidade Federal de São Paulo. Em 2009, ele realizou “metaentrevista pública” com Adyel Silva, que tratou da experiência da cantora em narrar sua vida para um pesquisador de história oral.
Censura no palco
Na primeira entrevista da série, Jota Dangelo será interrogado sobre sua experiência no Teatro Experimental (TE), grupo que foi referência na cena cultural de Belo Horizonte nas décadas de 1960 e 70. Depois do sucesso do espetáculo Oh oh oh Minas Gerais, de 1967, que percorreu o país, o grupo montou Numancia, adaptada de texto de Miguel de Cervantes, que fazia alusão à situação do Brasil sob a ditadura. Dirigida por Amir Haddad, a peça foi proibida pelo AI-5, o que acabou resultando na falência financeira do grupo.
“Os movimentos de resistência estavam exacerbados. Aqui perto de nós, a Faculdade de Medicina, que havia sido tomada pelos estudantes, foi invadida pela polícia, e alguns alunos e professores chegaram a ser presos por algumas horas”, relembra Jota Dangelo, que conciliava a docência na área de cardiologia com a direção e atuação nos espetáculos.
A doutoranda Carolina Dellamore, que vai conduzir a entrevista sobre o movimento grevista dos metalúrgicos de Contagem, em abril de 1968, enfatiza que é importante conhecer a “memória heroica”, mas também o que aconteceu antes e depois, “outras formas de resistência, silenciadas pelos grandes eventos, e outras formas de ser trabalhador naquele período”.
A situação nas universidades será o foco da entrevista conduzida pelo professor Rodrigo Patto Sá Motta, do Departamento de História. Para ele, o contexto atual chama a atenção para o AI-5 e seu impacto na história brasileira. “Pensar sobre 1968 no Brasil nos estimula a refletir a respeito dos agentes autoritários e suas motivações para atacar as instituições democráticas, o que é fundamental no atual cenário político, em que as instituições são golpeadas a todo momento”.
As entrevistas públicas, que reunirão até 30 pessoas (inscrições pelo e-mail nho.ufmg@gmail.com), terão seu conteúdo publicado em vídeo e, possivelmente, em livro.