Pesquisa aponta relação entre desenvolvimento agrícola e doenças como a covid-19
Artigo publicado na Frontiers in Public Health tem coautoria de pesquisador da UFMG
A dispersão de doenças na Amazônia está diretamente relacionada à trajetória de desenvolvimento agrícola dos municípios e à perda de biodiversidade. A covid-19, por exemplo, espalhou-se com facilidade em todos municípios, pois se relaciona com o tráfego de pessoas. É o que aponta o estudo publicado ontem, 13 de julho, na revista Frontiers in Public Health. A autoria é de pesquisadores do projeto Trajetórias, do Centro de Síntese em Biodiversidade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com participação do pesquisador Milton Barbosa, que realiza residência pós-doutoral no Laboratório de Ecologia Evolutiva de Biodiversidade do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG.
Segundo o estudo, a malária prevalece em municípios com perfil agroextrativista e com cobertura florestal, ou seja, metade do território amazônico. A dengue e chikungunya ocorrem com mais frequência em municípios de expansão urbana recente, como no limite sul da Amazônia em transição para o Cerrado. E a leishmaniose cutânea prevalece em municípios com grandes rebanhos onde há maiores taxas de desmatamento e perda de biodiversidade.
Trajetórias do avanço de doenças
Os municípios da Amazônia convivem atualmente com elevadas taxas de desmatamento, perda de biodiversidade e alta carga de doenças tropicais negligenciadas. Aproximadamente dois terços desse bioma estão localizados em território brasileiro. Lá, as transformações socioeconômicas e ambientais da paisagem estão ligadas à dinâmica da economia agrária regional. Buscando integrar abordagens da economia, epidemiologia e de biodiversidade, os autores do estudo identificaram duas perspectivas principais de se relacionar com a terra e que se subdividem.
O primeiro conjunto de práticas (chamadas pelos pesquisadores de trajetórias tecnoprodutivas) se enquadra no modelo agropecuário, associado à intensa mudança da paisagem, homogeneizador e promotor de grande perda da cobertura florestal. A lógica envolvida nessas trajetórias tem como foco a eficiência do capital, orientada pelo lucro. O segundo conjunto de trajetórias é relacionado ao modelo agroextrativista que se apoia no acúmulo de conhecimento local e na histórica adaptação ao bioma, descrevendo sua realidade rural a partir de referências históricas e de ocupação da terra.
As trajetórias agroextrativistas são dominantes em metade do território Amazônico e estão concentradas em áreas cobertas por floresta contínua, nas quais a malária é uma doença importante e causa de grande mortalidade. A criação de gado e o plantio de grãos, por outro lado, têm associação com altas taxas de desmatamento e têm se tornado trajetórias dominantes nos últimos anos. Essas trajetórias agropecuárias estão associadas com grande perda de biodiversidade e o aumento das doenças tropicais negligenciadas, como a leishmaniose, doença de Chagas e aquelas relacionadas à transmissão pelo mosquito Aedes.
A trajetória da covid-19 iniciou nas cidades, porém se espalhou rapidamente pelas comunidades rurais, ribeirinhas e que vivem nas florestas. Esse fluxo se deu pela cadeia de contatos que envolveu os profissionais de saúde e assistentes sociais que transitam entre as regiões, assim como pelos moradores que saíram das grandes cidades rumo às áreas mais remotas. A covid-19 foi agravada pela desigualdade de acesso a serviços básicos de saúde e de bens e serviços que assola a região.
Além de abrir horizontes para monitorar o potencial avanço de doenças nos municípios amazônicos, o estudo inova com uma abordagem sistêmica na qual as perspectivas epidemiológicas, econômicas e ambientais são consideradas em conjunto.
O estudo foi elaborado pela equipe do projeto Trajetórias, vinculado ao Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos - SinBiose do CNPq e conta com pesquisadores cientistas sociais, naturais, da computação, da saúde e economia. Neste estudo, colaboraram pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), Universidade do Acre (UFAC), Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Public Health (frontiersin.org)
Publicação: 13 de julho de 2021