Pesquisa da UFMG analisa reconhecimento e politização de drag queens

Dissertação defendida na pós-graduação em Administração da Face investiga a perspectiva cotidiana dessas artistas em Belo Horizonte

Uma pesquisa defendida em maio, como dissertação de mestrado na Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG, analisou o reconhecimento e a politização de drag queens. A partir da teoria queer, o pesquisador João Henrique Delgado realizou levantamento bibliográfico e traçou procedimentos metodológicos para identificar como as drag queens de Belo Horizonte percebiam suas vivências. João Delgado entrevistou oito drag queens que se apresentavam na noite belo-horizontina há mais de uma década para entender como elas vivenciavam o próprio cotidiano. Para preservar sua identidade, foram nomeadas com pseudônimos inspirados em nomes de celebridades femininas, as chamadas “divas” da comunidade LGBT+: (Christina) Aguilera, Nazaré, Bianca, Diana, Rihanna, Narcisa, Celine e Rocks.

Percurso

Ainda no curso de graduação em Administração, João Henrique Delgado começou a perceber que pessoas da comunidade LGBT+ eram valorizadas apenas como ativo econômico. Incomodado com esse viés, Delgado buscou, desde o seu trabalho de conclusão de curso (focado em pessoas vivendo com HIV), transcender o entendimento de que essas pessoas deveriam ser incluídas pelas organizações apenas porque isso fazia bem aos negócios – dimensão traduzida pela expressão pink money – e não porque a contemporaneidade impõe novas exigências e direitos sociais. 

De acordo com o pesquisador, a diversidade deve ser vista pelo viés social. “Se pensamos em ‘como incluir a diversidade?’, o que fica escondido é ‘o que exclui essas pessoas?’. As organizações devem pôr foco em uma perspectiva politicamente engajada. As pessoas LGBT+ e demais minorias são excluídas porque sofrem violências em suas múltiplas manifestações. Não basta contratar uma pessoa LGBT+, é preciso oferecer condições de existência e se responsabilizar pelas violências que podem ocorrer dentro das organizações”, defende Delgado. 

Sob tal prisma, João Delgado aprofunda: “não é suficiente pensar que deveríamos ser ‘incluídos’ [ele se identifica como homem gay], porque simplesmente somos muito bons no que fazemos. E aí nos vemos diante dessa recorrente sensação de que precisamos nos provar o tempo todo, de que a diversidade só é boa quando é economicamente atrativa. Mas ela também é boa sob a perspectiva social”, justifica.

Delgado percebeu que o contexto de distanciamento social imposto pela pandemia de covid-19 prejudicaria, em especial, as artistas drag queens, que, em geral, performavam em boates e casas de shows fechadas devido às restrições sanitárias da pandemia. “Estou falando de homens muito afeminados, mulheres trans travestis, ou seja, pessoas não binárias, tratadas como abjetas. E isso me instigou bastante a aprofundar e a complexificar o problema sob a perspectiva delas próprias", justifica.

Desenvolvimento

O estudo buscou responder ao problema da pesquisa: “Como se dão as disputas em torno do reconhecimento e da politização da vida sob a perspectiva de pessoas que performam drag queens em Belo Horizonte?”.

A dissertação recorreu à teoria queer (entendimento dos gêneros e como construção social) e buscou ressignificar a noção de falha, compreendida como defeito que se pretende reparar. No contexto do estudo, o corpo drag é visto, socialmente, como um corpo que falha em performar gêneros normativos e encontra formas alternativas de ser, estar e se relacionar no cotidiano.

Em sua conclusão central, o estudo constatou que o ser-estar-performar drag queen não pode ser compreendido como prática com início (montar-se, ou seja, vestir-se de mulher de maneira considerada extravagante), meio (performar no palco) e fim (desmontar-se), mas como posicionamento político diante da vida. Com base nas entrevistas e em observações diretas feitas no trabalho de campo, os principais achados dizem respeito às três categorias de análise criadas com base nas narrativas das entrevistadas: 1) as noções de normatividade e profissionalização drag, que desenvolvem estilos mais valorizados segundo a lógica de mercado; 2) a tensão entre a visibilidade do corpo drag e a violência contra corpos dissidentes; e 3) a noção de modos de vida drag, que são compreendidos como forma de posicionamento político e não se limitam ao período da montação (caracterização da personagem das performances). 

Para Delgado, ao se considerar essa perspectiva política, a drag queen emerge como protagonista que disputa a cena local e abre possibilidades de um futuro para além da heteronormatividade. “Com os modos de vida, podemos pensar em outras gramáticas da vida, que não a da administração maior (planejar, gerir, controlar), mas da administração menor (tecer, gestar, cuidar), que se dá na força insurgente daquilo que se pretende de menor valor”, finaliza o autor.

Além das conclusões intrínsecas de sua investigação, João Delgado avalia que é fundamental defender academicamente estudos sobre minorias e grupos marginalizados: “Temos que subverter essa lógica e pensar: ‘Como eu faço esses processos? Como eu faço essas discussões? Essas pessoas, no dia a dia delas, sofrem várias barreiras, várias sanções, têm várias dificuldades que muitas vezes desconhecemos. As descobertas científicas contribuem para a sociedade encontrar formas de diminuir essas barreiras”, reflete o autor do trabalho.

Pesquisa: Corpos que fal(h)am: reconhecimento e politização da vida sob a perspectiva cotidiana de drag queens de Belo Horizonte

Autor: João Henrique Machado Delgado

Orientador: Alexandre de Pádua Carrieri 

Unidade: Centro de Pesquisa e Pós-graduação em Administração da Face

Linha de pesquisa: Estudos Organizacionais, Trabalho e Pessoas

Defesa: 30 de maio de 2023

(Com base em texto de Ruleandson do Carmo)

Assessoria de Imprensa UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG