Pesquisa na UFMG apresenta novidades no trabalho doméstico
Tese articula estudos sobre mudanças no perfil etário das trabalhadoras domésticas, dos patrões e dos próprios vínculos empregatícios
Sobretudo na primeira década deste século, o trabalho doméstico remunerado perdeu peso na estrutura ocupacional feminina, no Brasil, na medida em que mulheres jovens que conquistaram maior escolaridade migraram para ocupações mais valorizadas, protegidas e bem remuneradas. Por isso, as protagonistas desse universo ganharam perfil mais envelhecido. Ao mesmo tempo, essas trabalhadoras conquistaram autonomia e capacidade de negociar salários e condições de trabalho, em um ambiente de maior regulação.
Essas são algumas das conclusões da pesquisa de doutorado de Maria de Fátima Lage Guerra, desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Demografia, do Cedeplar. Ela articulou estudos complementares sobre tendência de retração e envelhecimento da mão de obra feminina no trabalho doméstico, em razão do aumento da escolaridade das moças mais jovens, sobre mudanças nas formas de contratação das trabalhadoras (das residentes às diaristas) e sobre o perfil demográfico e socioeconômico das famílias contratantes.
Segundo a pesquisadora, movimentos como os de migração de mulheres mais jovens para outras ocupações e de ganho de autonomia das domésticas são bem-vindos e deveriam ser aprofundados. “Eles são importantes para reduzir as desigualdades sociais e as diferenças de gênero no mercado de trabalho, mas, infelizmente, ambos os movimentos estão sendo freados pela recessão econômica e ainda podem ser afetados pelos efeitos da reforma trabalhista,” comenta Fátima Guerra.
Fátima salienta que a queda de participação das gerações mais novas no trabalho doméstico, impulsionada por mais tempo de estudo, a partir da década de 1990, foi favorecida, nos anos 2000, pelo crescimento da oferta de emprego e da renda. Mesmo assim, ela acrescenta, é possível perceber uma mudança cultural em curso no país. “As mulheres mais novas, das camadas mais populares, não desejam nem estão sendo preparadas pelas mães para o trabalho doméstico, como antigamente”, afirma Fátima Guerra, que atua como economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Novos arranjos
Além de pesquisar as características da “nova trabalhadora doméstica”, a pesquisadora lançou mão, entre outros recursos, da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), do IBGE, que ajudou a compor o retrato das famílias que contratam profissionais domésticas mensalistas e diaristas. Algumas variáveis são importantes para explicar a decisão familiar de contratação de mensalistas ou diaristas: disponibilidade de recursos financeiros, tipo de arranjo familiar, idade das pessoas em casa, disponibilidade de tempo dos membros da família e relações de gênero.
Os resultados da pesquisa associam a opção por empregadas diaristas aos novos arranjos familiares: unipessoais, casais sem filhos, monoparentais e sem crianças pequenas. “As transformações que levam aos novos arranjos devem se aprofundar nos próximos anos; logo tende a crescer a proporção de trabalhadoras diaristas”, diz Fátima Guerra. Por outro lado, à medida que a atividade doméstica vai se tornando mais profissionalizada, cara e escassa, a demanda motivada por status ou por desinteresse em tarefas desagradáveis deve perder importância. “Quando ocorrer, esse será um sinal de transformações efetivas no papel exercido historicamente pela trabalhadora doméstica no país e de maior participação dos homens no trabalho reprodutivo.”
Serviços mais caros
De acordo com a pesquisadora, as mensalistas continuam sendo a opção preferencial de famílias de renda mais alta formadas por casais e filhos pequenos ou pessoas idosas ou ainda cujos integrantes trabalham fora de casa. Ainda assim, como escreve a pesquisadora em sua tese, esse tipo de serviço poderá ser menos comum do que é hoje, devido ao “encarecimento dos serviços prestados pelas mensalistas, por um lado, e às mudanças de expectativas e de alternativas para as moças pobres mais educadas, por outro, além da crescente preferência das próprias trabalhadoras pelo trabalho por dia”. Uma modalidade que tem perdido espaço de forma acentuada é a da mensalista residente – são apenas cerca de 200 mil em todo o país.
Fátima Guerra alerta que, numa sociedade em rápido processo de envelhecimento como a brasileira, a redução na oferta de trabalhadoras domésticas, combinada à ausência de políticas públicas que promovam as famílias e a igualdade de gênero, é motivo de grande preocupação sobre a qualidade de vida familiar e laboral das mulheres, responsáveis pelas tarefas domésticas e pelos cuidados com os membros da família, que incluem, cada vez mais, os idosos com limitações.
Tese: Trabalhadoras domésticas no Brasil: coortes, formas de contratação e famílias contratantes
Autora: Maria de Fátima Lage Guerra
Orientadora: Simone Wajnman
Defesa em 4 de agosto de 2017, no Programa de Pós-graduação em Demografia da UFMG.