Pesquisa na UFMG indica possível novo alvo de ação de um dos antitérmicos, anti-inflamatórios e analgésicos mais consumidos no mundo
Derivado da aspirina inibe proteína que pode estar associada a tumores
Presente na organela celular retículo endoplasmático, a proteína ATF6alfa é sensível à ação do salicilato de sódio (NaSal), um derivado da aspirina. A descoberta, relatada em tese defendida no ICB, indica novo alvo terapêutico para um dos analgésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios mais utilizados no mundo e abre caminho para novas investigações do seu uso sobre a resposta celular a proteínas mal dobradas, fenômeno que pode estar associado ao desenvolvimento de tumores. As linhas gerais do estudo estão descritas na reportagem de capada edição 2.023 do Boletim UFMG.
“Alguns estudos sugerem que a ATF6alfa está relacionada ao desenvolvimento e à progressão de alguns tipos de tumores. Por isso, é promissora a constatação de que um medicamento amplamente consumido e estudado tem ação sobre ela”, explica a autora do trabalho, Fernanda Lins Brandão Mügge. As proteínas mal dobradas causam o chamado estresse do retículo endoplasmático, em situações como falta de oxigênio ou de nutrientes, além de infecções virais e doenças genéticas. A má-formação resulta na ativação de três proteínas – Perk, IRE1 e ATF6alfa. Nos testes em laboratório, o salicilato de sódio inibiu a ativação e função de ATF6alfa, impedindo sua atuação no interior das células.
Segundo a pesquisadora, o estabelecimento de nova conexão entre os efeitos dos salicilatos e uma via da resposta a proteínas mal dobradas contribui para o entendimento dos efeitos biológicos dessa classe de fármacos e pode auxiliar na compreensão do mecanismo pelo qual o tratamento prolongado com aspirina resulta na prevenção do desenvolvimento de tumores em diferentes tecidos. “É um achado importantíssimo”, comemora o orientador do trabalho, professor Aristóbolo Mendes da Silva, do ICB, lembrando que há uma infinidade de estudos à procura de alvos para diversas moléculas.
“Digamos que nos próximos anos haja a confirmação de que a ATF6alfa esteja associada ao mau prognóstico de câncer. O fato de sabermos que essa proteína é inibida pela aspirina traz muitas vantagens. Em primeiro lugar, seria possível desenvolver protocolo terapêutico em associação com outros fármacos. Além disso, o acesso ao tratamento seria em princípio facilitado, devido ao baixo custo”, afirmou o orientador.
Expressão reduzida
“Como o papel da proteína nas respostas celulares induzidas pelos salicilatos não havia sido investigado, nosso objetivo principal foi caracterizar a expressão e ativação de ATF6alfa em células tratadas com NaSal”, comenta Fernanda. Ela demonstrou que a inibição da atividade transcricional da molécula ATF6a reduz a expressão de diversos genes-alvo de ATF6alfa responsivos ao estresse do retículo endoplasmático. Fernanda, que já havia estudado os salicilatos em seu mestrado, também tratou do tema em sua tese de doutorado, e grande parte dos resultados encontra-se no artigo Aspirin metabolite sodium salicylate selectively inhibits transcriptional activity of ATF6alfa and downstream target genes, publicado em agosto de 2017 na revista Scientific Reports, da editora Nature.
A pesquisadora explica que o retículo endoplasmático é uma organela celular responsável pela síntese e por modificações de muitas proteínas, tanto as que permanecem nas células como outras que são secretadas. Perturbações da homeostase dessa organela, ocasionadas pelo acúmulo de proteínas mal dobradas, dão início à resposta ao estresse no retículo endoplasmático. “A ativação dessa resposta leva a célula a interromper a tradução de novas proteínas e a iniciar um programa de ativação transcricional de genes que aumentará a capacidade da célula de dobrar corretamente ou degradar as proteínas mal dobradas”, explica.
O tratamento com NaSal inibiu a ativação de ATF6alfa induzida por vários agentes indutores de estresse do retículo endoplasmático, em diferentes tipos celulares. Também demonstrou que o salicilato de sódio é capaz de restringir a ativação de ATF6alfa e inibir a expressão de um conjunto específico de genes responsivos ao estresse do retículo.
Salgueiro
Presente em frutas e legumes, o ácido salicílico foi descoberto no século 18, quando o clérigo inglês Edward Stone fazia infusão da casca de salgueiro para tratar pacientes com dores e inflamações. Extraído o princípio ativo, o laboratório Bayer, da Alemanha, sintetizou essa molécula e passou a comercializar o ácido acetilsalicílico.
Recentemente, outro grupo de pesquisa propôs um mecanismo para inibir a ativação da molécula ATF6alfa, o que evidencia a importância desse alvo. Contudo, como lembra Fernanda Lins Brandão Mügge, o desenvolvimento de novo caminho farmacológico é demorado: “São no mínimo dez anos de testes clínicos para saber se realmente pode ser utilizado em humanos. Já o ácido acetilsalicílico foi sintetizado pela primeira vez há 120 anos e é amplamente utilizado, no mundo inteiro, com conhecidos efeitos no organismo.”
Tese: Efeitos do fármaco anti-inflamatório salicilato de sódio sobre o ramo da via de proteínas mal dobradas mediada pelo fator de transcrição ATF6alfa
Autora: Fernanda Lins Brandão Mügge
Defesa: março de 2018, no Programa de Pós-graduação em Biologia Celular
Orientador: Aristóbolo Mendes da Silva, do Departamento de Morfologia do ICB, pesquisador PQ-2 do CNPq