Pesquisa na UFMG mostra como identidade coletiva e redes sociais reforçam participação política de prostitutas

Em pesquisa de mestrado apresentada no início de 2017 na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas UFMG, Juliana Morais de Góes estudou a participação política entre as prostitutas da Rua Guaicurus, região central de Belo Horizonte. Em busca de melhores condições de trabalho e de combate ao preconceito, entre outros objetivos, elas se associam e fazem contato com ONGs e universidades. A pesquisa foi realizada no Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFMG.

As redes sociais e a identidade coletiva são, segundo Juliana, fatores fundamentais para a participação das prostitutas. O isolamento social torna a criação de redes de solidariedade entre as trabalhadoras uma necessidade. “Quando algo ruim acontece com alguma delas, são as demais que acodem e ajudam. Isso contribui para criar uma identidade coletiva e estimula o processo de mobilização política”, diz a pesquisadora, que cursa doutorado em Sociologia na University of Massachusetts (EUA).

Além disso, a presença de ONGs e universidades na Guaicurus é muito importante para o engajamento. O contato com essas instituições possibilita o acesso a recursos financeiros e informações que antes não eram disponíveis. “Essas entidades também facilitam o contato com o movimento nacional de prostitutas. De outro lado, a participação em eventos municipais, estaduais e nacionais ajuda a expandir redes e dialogar com outros movimentos sociais”, explica Juliana de Góes.

A participação política, entretanto, enfrenta obstáculos, representados sobretudo, pelo preconceito contra a baixa escolaridade das mulheres da Guaicurus, pela falta de tempo e de dinheiro e pelo estigma que marca a profissão. “Participar politicamente, o que por vezes implica exposição pública, é evitado para que o anonimato não seja violado. Ouvi relatos de mulheres que foram despejadas de casa ou agredidas na rua. A putafobia [o termo é usado no movimento e também no meio científico] faz as mulheres se esconderem como forma de proteção. Portanto, quando as prostitutas participam politicamente, elas não estão apenas se engajando no processo democrático, mas resistindo ao preconceito.”

Métodos combinados

Para desenvolver sua pesquisa de mestrado, Juliana Morais de Góes fez estudo etnográfico na Rua Guaicurus e na Associação de Prostitutas de Minas Gerais (Aprosmig), utilizou dados de um survey da PUC Minas e realizou entrevistas em profundidade. Juliana, que começou com uma análise sobre a prostituição e o contexto histórico da Guaicurus, ressalta que o início da pesquisa também foi seu “encontro como mulher, negra, criada na perifeira e pesquisadora da universidade com prostitutas de diferentes raças e etnias”. Ela analisou os dados da PUC Minas e entrevistou prostitutas, incluindo as lideranças, com foco nas trajetórias de militância.

O trabalho de triangulação das informações foi feito de maneira “interpretativista”, seguindo técnica (loose boundary concept) desenvolvida por teóricas feministas. A perspectiva do feminismo, por sinal, orientou todo o esforço de investigação. “Trabalhei de acordo com os preceitos da epistemologia feminista, que vai contra a objetificação do sujeito de pesquisa e contra uma ideia patriarcal e colonial de racionalidade, respeitando saberes e práticas tradicionais”, afirma Juliana de Góes.

A pesquisadora salienta também que o diálogo amplo com as mulheres da Guaicurus possibilitou a produção colaborativa de conhecimento e que o diálogo é “uma chave para a não objetificação”. Ela destaca que as mulheres com quem trabalhou têm conhecimentos muito valiosos sobre a atividade em si, sobre a relação entre migração e prostituição, sobre tráfico de mulheres e de órgãos. “É uma realidade contra a qual elas lutam”, ressalta Juliana. “Esses saberes são importantíssimos para a fundamentação de políticas públicas mas o preconceito relacionado à pouca escolaridade faz as pessoas tratarem as prostitutas como incapazes e tentarem excluí-las dos processos políticos”, enfatiza.

Política racista

Juliana de Góes conta que a pesquisa deu-lhe mais segurança sobre a defesa de posições como a de que “qualquer debate sobre prostituição precisa incluir as prostitutas”. Ela lembra que ocorre com as prostitutas algo similar ao que se deu com as mulheres negras: há feministas brancas que tentam excluir mulheres negras do debate e há feministas que tentam excluir as prostitutas. “Tal similaridade não me espanta, já que no Brasil um número significativo de prostitutas são mulheres negras. Além disso, a criação do mito da prostituta como mulher inferior é muito semelhante à qualificação do negro como inferior. Por isso, vejo a exclusão dessas mulheres do debate, principalmente no que tange à legislação, como uma política racista”, afirma a pesquisadora, acrescentando que a criminalização da prostituição tem gerado efeitos extremamente negativos sobre a vida das mulheres negras.

Dissertação: Corpo, autonomia e associativismo: participação e as prostitutas da Guaicurus

Autora: Juliana Morais de Góes

Orientador: Leonardo Avritzer

Defesa em fevereiro de 2017, no Programa de Pós-graduação em Ciência Política

Itamar Rigueira Jr. - Agência de Notícias UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa da UFMG

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