Pesquisa sobre o perfil e a trajetória de lideranças feministas é apresentada em seminário internacional na UFMG
Evento se encerra hoje, dia 17 de agosto, no auditório da Reitoria, no campus Pampulha
“Quem são as mulheres das políticas para mulheres?” Conclusões de pesquisa que tem essa pergunta como título revelam um marco histórico no processo de diálogo entre o Estado e movimentos feministas, o perfil sociodemográfico e a trajetória política de mulheres, em especial negras, que atuaram como delegadas na 3ª e na 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres (CNPM), realizadas em 2011 e 2016.
Segundo a professora Marlise Matos, do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (Nepem) da UFMG e coordenadora da pesquisa, uma das grandes revelações trazidas pelo trabalho foi o deslocamento do lugar ocupado pelo movimento negro no percurso participativo dessas mulheres, quando se comparam as trajetórias das mulheres no intervalo entre um evento e outro. Os resultados da pesquisa estão sendo apresentados durante o seminário internacional Quem são as mulheres de políticas para mulheres?, que está acontecendo no auditório da Reitoria, campus Pampulha. A programação do evento está disponível na página do Nepem no Facebook.
A pesquisadora conta que a trajetória ativista percorrida pela maioria das delegadas, presentes nas duas conferências, foi a mesma. Tanto em 2011 quanto em 2016, os movimentos estudantis, sindicatos e organizações religiosas foram a porta de entrada para a atuação dessas mulheres, que, seguindo o percurso, passaram pelo associativismo comunitário, movimentos feministas e de mulheres e partidos políticos como espaços de atuação, até chegarem, por meio dos feminismos e dos conselhos, às conferências.
O movimento negro, que em 2011 aparecia como elo entre o início da trajetória e as conferências, muda de posição em 2016, passando a ocupar o ponto de chegada do ativismo político, agora institucionalizado na 4ª Conferência. Para a pesquisadora, trata-se de “um achado histórico” para os estudos sobre ativismo estatal feminino no Brasil.
“O diferencial referendado pela pesquisa é a disposição de adesão, por parte do movimento de mulheres negras, a esse processo de participação”, afirma Marlise Matos. Ela lembra que, por muito tempo, o movimento negro manteve um relacionamento desconfiado e um diálogo tenso com o Estado, por considerá-lo patriarcal e por causa da violência e da desigualdade socioeconômica impostas às mulheres negras.
Na avaliação de Marlise Matos, a comparação dos dados, obtidos nos dois momentos, resultou no que ela e a professora Sônia Alvarez denominaram desidestreaming e mainstreaming feminista, revelando os fluxos tanto verticais (para dentro do Estado), quanto horizontais (ativismos em outros movimentos sociais e outras arenas). Segundo ela, a possibilidade de traçar a trajetória política dessas mulheres, por ordem de participação, desde sua origem, e estabelecer elos intermediários até a atuação nas conferências nacionais trouxe dados novos e originais ao perfil até então conhecido.
A pesquisa, que também teve a coordenação da professora Sônia Alvarez, da University of Massachusetts/Amherst, e o apoio da professora Solange Simões, da Eastern Michigan University, foi subsidiada pela Secretaria Nacional de Política para Mulheres e contou com participação voluntária de estudantes do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).
A pesquisa
Em 2011, foram entrevistadas 346 delegadas da 3ª CNPM. Cinco anos depois, na 4ª Conferência, 321 responderam à pesquisa. Dois questionários foram aplicados em 2011 e replicados em 2016. Um levantou dados sociodemográficos como idade, raça e cor, escolaridade e zona de residência. O outro abordou percepções sobre o percurso participativo das mulheres, e as perguntas buscavam identificar a origem da trajetória das delegadas e seus valores sociais, avaliar as políticas públicas para as mulheres e mapear aspectos relacionados à divisão sexual do trabalho.
Entre as delegadas representantes de instituições governamentais, 79,4% se consideraram feministas. Entre as da sociedade civil, 84,4% se declararam feministas. Ainda entre as representantes dos governos, 42% eram brancas, 57% filiadas a partidos políticos, com idade média de 43 anos e renda familiar mensal média de R$ 11 mil. Na representação da sociedade civil, 38% eram negras e 65%, filiadas a partidos políticos. Em média, elas tinham 45 anos de idade e renda familiar mensal de R$ 4 mil.
Durante o evento, serão lançados dois livros, editados com base na pesquisa: O feminismo estatal participativo brasileiro e Expressões feministas nas Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres. Os volumes serão disponibilizados brevemente, também na versão digital, no site do Nepem.
Vozes múltiplas
As Conferências Nacionais de Políticas para as Mulheres (CNPM) vêm sendo realizadas desde 2004, com participação de representantes dos poderes estaduais e municipais, ministérios e secretarias especiais, além de organizações de mulheres. O objetivo é propor diretrizes para fundamentação dos Planos Nacionais de Políticas para Mulheres. Os encontros são antecedidos pelas conferências municipais, intermunicipais, livres, estaduais e consultas nacionais, que também dão voz às mulheres transexuais, ciganas, com deficiência, indígenas, quilombolas e de religião de matriz africana.