Pesquisadora da UFMG investiga envelhecimento na zona rural e defende que políticas públicas respeitem peculiaridades dos diferentes territórios

Maria da Conceição, mais conhecida como Dona Luruca, tem 77 anos, é viúva há 30 e vive há algum tempo na comunidade da Baixa Quente, em Araçuaí, Nordeste de Minas. Por muitos anos, trabalhou na lavoura, na torra de farinha e na produção de peças de barro, além de criar sozinha os 10 filhos, enfrentando muitas dificuldades. Aposentada rural, ela é muito religiosa e não pensa em sair do campo. 

A história de Dona Luruca é representativa da realidade dos velhos da zona rural do Vale do Jequitinhonha e é uma das que sustentam e ilustram a pesquisa de Raquel de Oliveira Barreto, que defendeu tese no início deste ano na Pós-graduação em Administração da UFMG. A pesquisadora defende que há diferentes formas de envelhecer e revela peculiaridades desse processo naquela região. 

“Ideias como melhor ­idade e velhice bem-sucedida referem-se à velhice ideal para determinado grupo, formado, sobretudo, pelos idosos das cidades maiores, com boa condição socioeconômica. O que pretendi mostrar é que a velhice é complexa, e não faz sentido que as políticas públicas favoreçam  apenas um grupo”, diz ­Raquel, que fez toda sua formação acadêmica na UFMG e é professora no campus Araçuaí do ­Instituto Federal do Norte de Minas ­Gerais (IFNMG).

Eu gostaria de fazer o meu serviço, mas eu num guento mais fazer ele que ele é pesado. Mexer com o barro...isso foi o que eu mais gostei de fazer na vida! (Dona Luruca)

De acordo com a pesquisadora, as políticas devem garantir ­direitos adequados às ­realidades dos diferentes territórios, como o acesso a alimentos diferentes daqueles que os velhos do campo produzem em suas terras, assim como a medicamentos. Para exemplificar a distinção entre as perspectivas de velhos das comunidades rurais de Araçuaí e de áreas urbanas, Raquel Barreto ressalta que, enquanto nas cidades aposentar-se significa parar de trabalhar, para os idosos do campo, receber a aposentadoria dá liberdade para trabalhar com mais tranquilidade. “Em um lugar como o Jequitinhonha, ficar velho é não ter capacidade física e saúde para o trabalho.”

Raquel Barreto lançou mão da cartografia, metodologia transposta do universo da geografia para as ciências humanas e sociais, capaz de fazer um mapeamento psicossocial para conhecer sujeitos, em vez de fronteiras. Em dois anos de trabalho de campo, ela entrevistou 15 idosos e representantes do poder público, de instituições religiosas e de organizações não governamentais, que participam ativamente da vida das famílias no Vale do Jequitinhonha, levando, por exemplo, tecnologias para a otimização do aproveitamento da água.

“Fui às comunidades em duas etapas. Entrei nas casas, conheci as famílias, criei laços, tive longas conversas e ainda participei de festas e reuniões”, diz a professora, que, na tese, conta em detalhes e com mais profundidade as histórias de seis dos seus entrevistados – três homens e três mulheres, entre elas Dona Luruca.

Raquel Barreto explora a metáfora das raízes subterrâneas (Rizoma) – desenvolvida por Gilles Deleuze e Félix Guattari na discussão da complexidade – para abordar as múltiplas determinações que devem ser levadas em consideração no estudo da velhice, que ela define como “um emaranhado de forças em constante interação”. Algumas das outras referências teóricas do trabalho são a filósofa francesa Simone de Beauvoir e a psicóloga social Eclea Bosi, professora emérita da USP, que refletiram sobre o silenciamento e a negação cotidiana – manifestada de várias formas – da velhice.

Apego e pertencimento

A pesquisadora, que integra o Núcleo de Estudos Organizacionais e Sociedade (Neos/UFMG), produziu um diário de bordo e narrativas fotográficas, com imagens feitas pela estudante Jeane Doneiro, do IFNMG, que atuou também como assistente na investigação. Para organização e compreensão dos dados, Raquel optou pela análise narrativa temática, que gerou os eixos vida no campo, velhices no campo e trabalho no campo.

“Os aspectos que marcam mais fortemente a vida no meio rural são a falta de políticas públicas e os efeitos perversos dos longos períodos de seca. Ainda assim, é fácil identificar apego à terra e sensação de pertencimento”, explica Raquel. “As relações de coexistência e de interdependência com a natureza diferem da experiência dos velhos urbanos.”

Ainda de acordo com Raquel, ser velho no campo é manter laços fortes com a família e com a comunidade – o que consolida o desejo de permanecer na terra por toda a vida – e agir sob a “força potente” da religiosidade. “Os velhos que encontrei no Jequitinhonha não se preocupam em compreender a velhice, muito menos negá-la; eles querem apenas vivê-la. E o trabalho, para eles, é inerente à existência. Mais que isso, é fonte de vida.”

Tese: Cartografia dos modos de ser da velhice e do trabalho rurais no médio Vale do Jequitinhonha
Autora: Raquel de Oliveira Barreto
Orientador: Alexandre de Pádua Carrieri
Defesa: dezembro de 2018, no Programa de Pós-graduação em Administração

Itamar Rigueira Jr.

Fonte

Assessoria de Imprensa UFMG

Serviço

Tese: Cartografia dos modos de ser da velhice e do trabalho rurais no médio Vale do Jequitinhonha