Pesquisadores da UFMG contribuem para artigo sobre ameaça à biodiversidade e à pesquisa

Cortes de verbas para a ciência prejudicam a conservação de ecossistemas

Os cortes no financiamento à ciência brasileira já afetam a pesquisa em biodiversidade, com graves reflexos na conservação dos ecossistemas e nos serviços prestados à humanidade, como saúde, segurança alimentar e hídrica. A denúncia aparece em artigo assinado por 54 pesquisadores e publicado na edição deste mês da revista científica Perspectives in Ecology and Conservation, do grupo Elsevier.

De acordo com o trabalho, “qualquer falha no Brasil em atingir suas metas de conservação e restauração terá implicações globais, incluindo a perda de biodiversidade, o aumento das emissões de carbono e a disseminação facilitada de doenças infecciosas”. Devido à importância do tema, os autores foram convidados pela publicação a traduzir o artigo para a língua portuguesa, de modo a alcançar os tomadores de decisão no Brasil, informa o professor Geraldo Wilson Fernandes, do Departamento de Biologia Geral da UFMG.

No texto, são analisadas as consequências da interrupção de investimento em trabalhos desenvolvidos no âmbito do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), a maior rede da área no país, com 626 pesquisadores, organizados em nove redes que atuam em 93 pontos amostrais em todos os biomas brasileiros.

“Nos últimos 12 anos, montamos uma estrutura invejável e desenvolvemos métodos de monitoramento da biodiversidade que agora serão perdidos. Isso desagrega grupos, acarreta a perda dos recursos já investidos, impede a formação de nova geração de pesquisadores e compromete a capacidade do país de cumprir acordos internacionais”, enumera Fernandes, lembrando que, no Brasil, o meio ambiente está “sob intenso ataque dos ruralistas, facilitado pelas medidas governamentais”.

Segundo Fernandes, apesar da abrangência do PPBio, ainda há lacunas de conhecimento sobre grandes áreas, a exemplo da extensão geográfica conhecida como Matopiba, na confluência dos estados do Mato Grosso, Tocantins, Piauí e Bahia, que guarda a maior área intacta de Cerrado. “Para quem não quer preservar, a ignorância é uma bênção, pois não se sabe o que se perdeu nas regiões destruídas”, ironiza o professor da UFMG.

Pesquisador de pontos amostrais em regiões como ­Peruaçu, Diamantina, Serra do Cipó e Uberlândia, em Minas Gerais, Fernandes informa que, de 2013 a 2015, foram destruídos mais de 1,9 milhão de hectares de Cerrado, o bioma sob maior pressão no país. “Isso equivale a 2% da vegetação existente e a uma taxa de desmatamento cinco vezes maior do que a da Amazônia no mesmo período”, contabiliza o professor.

Estratégia obtusa

Ele lembra que, em um momento de mudanças globais, a subtração de recursos para a ciência é uma “estratégia obtusa que presta um desserviço gigante” ao planeta. No artigo, Fernandes e os outros autores afirmam que “os cortes recentes afetam radicalmente os programas de pesquisa em biodiversidade que são componentes cruciais para a concepção e o monitoramento de políticas públicas para a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável”.

No contexto internacional, o Brasil é signatário de acordos que definem a proteção do meio ambiente e a diminuição de taxas de desmatamento, cujo cumprimento está em risco, diz o texto, por dependerem do alcance de importantes objetivos ambientais nacionais. Nesse rol, o artigo cita a restauração de 21 milhões de hectares de terras degradadas para cumprir a principal lei de proteção da vegetação nativa brasileira (o Código Florestal), incluindo 12 milhões de hectares até 2030, como parte de Contribuição Nacionalmente Determinada (iNDC, em inglês) do Brasil para o Acordo de Paris. Segundo os autores, o planejamento e a implementação das atividades de restauração dependem de dados sobre biodiversidade, que deixam de ser coletados e monitorados devido à falta de recursos.

O programa

O artigo Dismantling Brazil’s science threatens global biodiversity heritage ressalta que os resultados do trabalho da rede de pesquisa têm fornecido novos conhecimentos e perspectivas, essenciais para um processo de tomada de decisão embasado e robusto das políticas econômicas e ambientais. “A pesquisa do PPBio é especialmente importante nas regiões onde a biodiversidade não foi estudada previamente e havia sido subestimada”.

Um dos exemplos citados é a descrição, nos últimos dez anos, de mais de 250 espécies, incluindo a descoberta de novas famílias, na Caatinga, a região semiárida mais populosa do mundo e que já perdeu cerca de 50% de sua cobertura vegetal original. Além disso, em apenas três anos, a mineração de dados de herbários brasileiros e novos espécimes de inventários de campo no PPBio acrescentou 1.674 novas espécies ao total de sementes de plantas nativas registradas no Brasil.

“No entanto, os efeitos do PPBio vão muito além da própria coleta de dados. O Programa contribuiu para o estabelecimento de capacidade e infraestrutura de pesquisas ecológicas, incluindo coleções científicas, especialmente em áreas remotas e virtualmente desconhecidas do país”, enfatiza o artigo.

Ana Rita Araújo - Boletim 1991

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