Pesquisadores da UFMG estudam ativação das respostas de tolerância alimentar e de inflamação contra patógenos no intestino
A drenagem linfática, processo de absorção de substâncias estranhas inócuas ou ameaçadoras (antígenos) do intestino, é executada por pequenos gânglios chamados linfonodos, organizados na cadeia mesentérica, que se estende de uma extremidade à outra do órgão. Esse sistema imune intestinal lida diariamente com o desafio de induzir tolerância aos antígenos da dieta – proteínas que não foram digeridas no estômago – e dos 100 trilhões de bactérias da microbiota que povoam o órgão, enquanto desencadeia respostas inflamatórias protetoras contra agentes infecciosos patogênicos.
“Até então, pensava-se que todos os linfonodos da cadeia mesentérica eram idênticos, e era um mistério compreender como o sistema imune do intestino conseguia manter atividades tão dicotômicas. Mas conseguimos demonstrar que a drenagem, capaz de induzir tolerância ou inflamação, é delegada aos linfonodos de acordo com sua posição na cadeia mesentérica”, afirma a professora Ana Maria Caetano de Faria, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG. O estudo do qual participou a pesquisadora resultou no artigo Compartmentalized gut lymph node drainage dictates adaptive immune responses, publicado em 2 de maio na revista britânica Nature.
Por meio de experimentos realizados com camundongos, o grupo do pesquisador Daniel de Sousa Mucida, da Rockefeller University, nos EUA, em colaboração com o grupo do ICB, coordenado por Ana Caetano, demonstrou que os linfonodos que drenam a porção superior do intestino delgado, nas imediações do duodeno (região proximal), induzem respostas imunes tolerogênicas e reguladoras. Por sua vez, os gânglios localizados próximos ao intestino grosso (região distal) geram respostas inflamatórias protetoras.
“Cada linfonodo drena uma região específica do intestino – duodeno, jejuno, íleo e colon. Eles são compostos de células estromais (estruturais) e dendríticas (apresentadoras de antígenos) com assinaturas gênicas distintas, capazes de dirigir as células imunes em padrões diferentes de respostas. Isso explica como o intestino consegue fazer ações completamente opostas, sem que uma perturbe a outra”, detalha a professora. Segundo ela, uma eventual falha na preservação desse balanço pode causar doenças inflamatórias intestinais como a colite ulcerativa, a alergia alimentar ou infecções graves por patógenos.
Os doutorandos Maria Cecília Canesso e Tiago de Castro, também do Departamento de Bioquímica e Imunologia do ICB, são coautores do artigo. O professor Daniel Mucida, que liderou o estudo, é egresso da UFMG.
Possibilidades terapêuticas
Como relata Ana Caetano, o experimento incluiu a retirada cirúrgica e o teste da drenagem linfática de cada um dos linfonodos de camundongos. “Foi induzida a tolerância imune a um antígeno da dieta (ovalbumina), e observamos que os linfócitos reguladores responsáveis por ela estavam nos linfonodos proximais. De maneira análoga, a resposta inflamatória a bactérias potencialmente infecciosas e a outras patogênicas como a Salmonela ocorreu nos linfonodos distais. Quando extraídos os gânglios distais dos camundongos, vimos que a resposta inflamatória específica para a bactéria patogênica administrada foi redistribuída para os linfonodos mais proximais, mas somente enquanto a bactéria estava presente”, descreve.
Os resultados inéditos sobre o mecanismo de segregação das respostas imunes inflamatórias e tolerogênicas pelos linfonodos, segundo a professora, abrem possibilidades ainda inexploradas de utilização terapêutica da imunidade intestinal. Eles indicam que as porções distais do intestino são ideais para vacinação anti-infecciosa, enquanto o duodeno e as porções proximais podem se constituir em alvo apropriado para a imunomodulação anti-inflamatória.
“Um grande esforço de pesquisa, por exemplo, vem sendo empreendido há décadas no desenvolvimento de vacinas orais contra agentes infecciosos como rotavírus. Agora, sabemos que, dependendo do objetivo terapêutico, não adianta direcionar a resposta para os linfonodos que drenam todo o intestino. O ideal é mirar uma região específica para a administração do antígeno vacinal visando a uma resposta mais eficaz”, sugere Ana Caetano. Ela acrescenta que a descoberta também favorece a busca de estratégias para melhorar a qualidade de vida das pessoas que sofrem de alergias alimentares ou de outras doenças inflamatórias que poderiam ser moduladas por respostas intestinais imunorreguladoras.
Artigo: Compartmentalized gut lymph node drainage dictates adaptive immune responses
Autores: Daria Esterházy, Luka Mesin, Paul Muller, Ainsley Lockhart, Mahmoud ElJalby e Daniel Mucida (Rockefeller University); Maria Cecília Canesso, Tiago de Castro e Ana Caetano Faria (UFMG)