Pesquisadores da UFMG identificam um gene para deter os arbovírus

Descoberta de via antiviral em mosquitos Aedes abre caminho para estratégias de controle da transmissão de dengue e zika

A identificação do gene Loqs2, presente apenas em mosquitos do gênero Aedes, pode descortinar rotas de pesquisa para o controle da transmissão dos vírus da dengue, da zika e de outros arbovírus.  Artigo publicado na revista Nature Microbiology sobre o gene recém-descoberto aborda os mecanismos que possibilitam ao mosquito Aedes aegypti carregar os arbovírus de maneira eficaz, ou seja, sem sofrer os efeitos negativos da infecção.

O trabalho é liderado pelo professor João Trindade Marques, do Departamento de Bioquímica e Imunologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, e foi desenvolvido em colaboração com o grupo coordenado por Jean-Luc Imler, do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) e da Universidade de Estraburgo, na França.

Segundo Marques, o Loqs2 é uma proteína que faz a mediação da resposta antiviral nos mosquitos Aedes. “Assim como outros insetos, o Aedes tem diversas vias antivirais, mas só os mosquitos do gênero têm uma via antiviral mediada por essa proteína”, explica.

A equipe do professor gerou a expressão ectópica do Loqs2 no intestino de mosquitos geneticamente modificados – localização diferente da que normalmente acontece –, o que foi suficiente para torná-los resistentes à infecção pelos vírus da dengue e da zika. “Acreditamos que essa via não é ativada no intestino, o que torna o mosquito muito mais permissivo à infecção. Mas, quando reexpressamos o gene no intestino, foi possível impedir que o vírus criasse o sítio de infecção primária, necessário para estabelecer a infecção disseminada no inseto vetor”, descreve o pesquisador, explicando que o Loqs2 é expresso naturalmente em outros tecidos do mosquito, como carcaça, ovários, glândula salivar e no cérebro, em menores quantidades.

Paradoxo
João Trindade explica que ainda é preciso confirmar se essa via antiviral realmente tem conexão com o fato de o Aedes aegypti ser tão bom vetor para vírus. “É paradoxal, pois se trata de uma resposta antiviral que tornaria os mosquitos mais competentes para transmissão de vírus. Mas um bom vetor tem de ser resistente à infecção, pois não pode ficar doente com a presença dos vírus”, pondera.

A equipe investiga se o Loqs2 também teria, igualmente, uma atividade contra outras arboviroses, como chikungunya. “Todas as indicações que temos até agora são de que ele seria um gene antiviral de ampla ação”, comenta o professor da UFMG. Segundo ele, muitas questões ainda permanecem, mas a identificação do Loqs2 “é um primeiro passo para lançar alguma luz sobre essa resposta antiviral específica de mosquitos Aedes e ajudar a explicar por que esses vetores são tão eficientes para o vírus”.

Um dos caminhos possíveis para potencializar a ação dessa proteína seria o desenvolvimento de drogas com ação ativadora ou inibitória, uma vez que qualquer desequilíbrio na resposta antiviral do mosquito teria impacto na transmissão do vírus. Ao inibir o Loqs2, por exemplo, os vírus da dengue e da zika cresceriam mais intensamente no mosquito e poderiam levá-lo à morte, impedindo a transmissão. Por outro lado, a ativação da via de Loqs2 poderia tornar os mosquitos mais resistentes, e, dessa forma, eles não se infectariam nem transmitiriam as arboviroses. João Marques explica que o gene Loqs2 pertence a uma família de pequenas proteínas que têm somente um domínio de ligação RNA de fita dupla e estão envolvidas em respostas antivirais. “Alguns artigos publicados pelo meu grupo, ao longo dos anos, têm mostrado a importância dessas proteínas, com as quais tenho trabalhado desde o meu pós-doutorado, realizado nos Estados Unidos, de 2002 a 2010”, relata.

Busca geral
Ao iniciar a pesquisa com Aedes, Marques fez “uma busca geral” por proteínas desse tipo no mosquito, com o intuito de observar se havia diferenças em relação a outros organismos com os quais já havia trabalhado, a exemplo da mosca da fruta, Drosophila melanogaster. “Isso nos levou a identificar esse gene unicamente presente em mosquitos do gênero Aedes”, conta.

Atualmente, o grupo está investigando o mecanismo utilizado por Loqs2 para controlar os vírus da dengue e da zika. “Também estamos caracterizando outras vias importantes para a resistência antiviral em mosquitos, trabalho que tem contado com o intercâmbio envolvendo Brasil e França, incluindo meu período sabático de seis meses”, comenta o professor.

Com relação ao trabalho colaborativo, Marques ressalta que, embora a maior parte da equipe seja brasileira, foi fundamental para o sucesso da pesquisa a contribuição dos pesquisadores do CNRS, principalmente pelo suporte técnico e pela infraestrutura que eles ofereceram, que não está disponível no Brasil. “Todo o trabalho e sua continuidade têm exigido grande empenho para obtenção de financiamentos de diversas fontes, principalmente depois da crise econômica brasileira que diminuiu muito o orçamento para ciência e tecnologia”, destaca o pesquisador.

Artigo: Control of dengue virus in the midgut of Aedes aegypti by ectopic expression of the dsRNA-binding protein Loqs2
Autores: Roenick Olmo, Alvaro Ferreira, Tatiane Izidoro-Toledo, Eric Aguiar, Isaque de Faria, Kátia de Souza, Kátia Osório, Lauriane Kuhn, Philippe Hammann, Elisa de Andrade, Yaovi Mathias Todjro, Marcele Rocha, Thiago Leite, Siad Amadou, Juliana Armache, Simona Paro, Caroline de Oliveira, Fabiano Carvalho, Luciano Moreira, Eric Marois, Jean-Luc Imler e João Trindade Marques.

(Texto de Ana Rita Araújo)

Boletim UFMG 2.048