Pesquisadores da UFMG sintetizam moléculas antifúngicas com auxílio da Inteligência Artificial
Descoberta pode se transformar em trunfo no combate a infecções como candidísase e doença do pombo
Cientistas da UFMG sintetizaram moléculas de eficácia comprovada no combate a infecções causadas por fungos, como a Criptococose, também conhecida como doença do pombo, e candidíases provocadas por fungos do gênero Candida. Coordenado pelos professores Renata Oliveira, Vinícius Maltarollo, José Eduardo Gonçalves e Isabela César, da Faculdade de Farmácia, o grupo de pesquisa contou com auxílio da inteligência artificial (IA) para a seleção de substâncias a serem sintetizadas e testadas.
A descoberta consta no artigo Discovery of Lead 2-Thiazolylhydrazones with Broad-Spectrum and Potent Antifungal Activity, publicado recentemente na revista Journal of Medicinal Chemistry, um dos periódicos mais prestigiados da área de química medicinal.
No trabalho, estão descritas as etapas de planejamento e síntese de uma nova tiazolilhidrazona e a avaliação da sua atividade contra diferentes tipos de fungos, bem como a avaliação da atividade citotóxica e os estudos de permeabilidade em modelos de células Caco-2. Para verificação da eficácia contra Cryptococcus neoformans em testes in vivo, foi utilizado um modelo de invertebrado, de forma a evitar o uso de animais.
Aprendizado de máquina
De acordo com Vinícius Maltarollo, a primeira etapa da pesquisa consistiu em selecionar as substâncias que seriam testadas, considerando a atividade biológica e a solubilidade em água. “Basicamente, o que fizemos foi compilar todos os nossos resultados anteriores de estudos com moléculas similares, da mesma classe, com atividade antifúngica. Com o uso de algoritmo, conseguimos entender quais partes da molécula contribuem para matar o fungo. Assim, foi criado um modelo de aprendizado de máquina para predizer a atividade biológica”, detalha o professor.
Usando outro algoritmo de IA, treinado para gerar moléculas reais, os pesquisadores obtiveram uma lista daquelas que apresentavam potencial antifúngico. Além disso, uma biblioteca virtual de moléculas passíveis de serem sintetizadas com base em reagentes comerciais foi criada com auxílio de técnicas computacionais. “O computador fez a análise combinatória envolvendo substâncias e reagentes e relacionou os potenciais produtos que poderiam ser sintetizados no laboratório”, explica Maltarollo.
A tecnologia de aprendizado de máquina foi providencial também na predição de solubilidade e de lipofilia das moléculas candidatas a fármacos antifúngicos. As substâncias consideradas mais ativas contra os fungos, mais solúveis em água e com lipofilia adequada foram selecionadas para síntese e testes biológicos.
Testes
Os testes in vitro revelaram a potência das substâncias, já que foi possível matar os fungos usando concentrações relativamente baixas. Durante a etapa de experimentos com camundongos, constatou-se que havia uma limitação quanto à solubilidade das substâncias em água, o que, a princípio, inviabilizava sua administração oral. Os cientistas, então, modificaram a estrutura das substâncias, que foram testadas com sucesso em várias espécies de fungos, incluindo Criptococcus neoformans, Candida auris, Candida albicans e Candida tropicalis.
“Administramos a substância em camundongos infectados com o fungo e comparamos sua ação com a de fármacos que já são usados na clínica. Algumas das nossas substâncias foram mais ativas do que as do mercado”, informa Renata Oliveira.
Exames de toxicidade aguda em animal confirmaram a segurança dos compostos. "Aplicamos doses altas para checar se havia algum sintoma de toxicidade. Analisamos os órgãos dos animais a fim de detectar alguma alteração, e os resultados também foram satisfatórios”, afirma a professora.
Próximos passos
O trabalho reuniu especialistas de diferentes áreas, que contribuíram com análises em química medicinal, avaliação da biodisponibilidade, microbiologia e citotoxicidade. A equipe está desenvolvendo outras formulações para administração oral.
“O processo de patenteamento está em curso, e a CTIT [Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica da UFMG] busca colaborações com empresas para impulsionar o desenvolvimento e os testes clínicos [em humanos]”, informa Renata Oliveira.
A pesquisa, como observam os autores, tem papel crucial na busca de soluções terapêuticas, especialmente para pacientes imunodeprimidos, transplantados e com HIV positivo.
Além dos coordenadores do estudo, o artigo tem como coautores Nereu Cândido, Valtair dos Santos, Isabella Campolina, Gabriel Marques, Ícaro Ferrari, Túlio Resende e Adriano Sabino, também da Faculdade de Farmácia, e Victor Leocádio, Luiz Felipe de Andrade, Susana Johann e Daniel Santos, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG. Os outros coautores são Saulo Fehelberg, da Escola de Farmácia da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), Markus Kohlhoff, da Fiocruz, e Thales Kronenberger, da University of Tübingen.
(Texto de Matheus Espíndola, da Agência de Notícias da UFMG)