Pesquisas da UFMG identificam alto grau de agressividade nas hashtags e função conciliatória dos emojis
Impolidez digital é investigada por grupo da Fale especializado em articulação do discurso
O ambiente das redes sociais é especialmente permissivo para a atitude agressiva e debochada. Ali, as pessoas fazem ou dizem o que não fariam ou diriam pessoalmente. Mas que recursos de linguagem se prestam a essas manifestações? Um deles é a hashtag, representada pelo sinal de jogo da velha (#), acrescido de uma expressão curta. Criada para organizar postagens por assunto e disseminadas, sobretudo, pelo Twitter – o primeiro caso registrado está relacionado a um incêndio na Califórnia, Estados Unidos (#sandiegofire), em 2007 –, a hashtag lança mão de expressões como “caguei”, “só que não” (sqn) e “sei lá” (sla) para desmoralizar um comentário ou depreciar a imagem de outra pessoa.
A hashtag foi objeto de pesquisa recente das professoras Ana Larissa Adorno e Marisa Mendonça Carneiro, do Programa de Pós-graduação em Linguística, da Faculdade de Letras e assunto da matéria de capa da edição 2.030 do Boletim UFMG. Integrantes do Grupo de Estudos em Articulação do Discurso (Gead), focado em aspectos como a língua em uso e o discurso digital, elas analisam o texto no ambiente cibernético à luz da Teoria Pragmática da Linguagem, que trata, entre outros aspectos, de polidez e impolidez. “É uma ferramenta teórica para interação face a face, mas se aplica ao meio digital, que é bem parecido. Esse discurso é híbrido, com traços das linguagens escrita e oral”, explica Ana Larissa, que organizou, com o professor Gustavo Ximenes Cunha, o livro Múltiplas perspectivas do trabalho de face nos estudos da linguagem, lançado neste ano.
Enquadrada, segundo a pesquisadora, no gênero textual opinativo, a hashtag aparece normalmente associada a notícias ou na forma de metacomentário, desqualificando postagem de outrem ou ironizando um comentário próprio. “O usuário que lança mão da hashtag com intenção de deboche ou agressividade geralmente age contra um meio de comunicação ou contra outro internauta”, diz Ana Larissa.
Índices de agressividade
As pesquisadoras e um grupo de estudantes de iniciação científica capturaram 325 tuítes contendo hashtags, em dois períodos a partir de agosto de 2017. Identificaram as expressões mais usadas e os índices de impolidez, com base em definição do linguista britânico Jonathan Culpeper.
Uma das intervenções mais populares no Twitter é #sqn, que causa o efeito de quebra de expectativa, gerando piada ou deboche. Essa hashtag é acrescentada em comentários sérios, ou pretensamente sérios, do próprio autor ou de outrem.
No material coletado pelo grupo, sobressaíram #STFVergonhaNacional, que servia para atacar os ministros do Supremo Tribunal Federal, acusados de hipócritas, e #caguei, adicionada, por exemplo, a um post relacionado ao reality show Big Brother Brasil. A resposta tinha a intenção de ridicularizar o programa de TV e, por extensão, o interesse do autor do tuíte.
Segundo Ana Larissa Adorno, algumas das características das hashtags são a estrutura hipossegmentada – sem separação entre palavras –, o uso de abreviações e a multimodalidade (combinação com outros elementos, como sons e imagens). “A hashtag é veloz, diretiva. Ela representa muito bem o mundo digital, no que ele tem de ágil, superficial e permissivo. Não é necessário ser convincente, a ideia é chocar para atrair o interlocutor”, afirma.
Marisa Carneiro salienta que a restrição quanto ao tamanho das postagens no Twitter favorece a opção por depositar na adição de uma hashtag “a ênfase em uma opinião ou em mensagem contraditória ao que está posto em palavras”. No Twitter brasileiro, segundo ela, sobressai a intenção do humor. Dados iniciais na pesquisa de um dos estudantes sobre o Twitter americano revelam, para surpresa das pesquisadoras, que, como no Brasil, é alto o grau de agressividade associada às notícias sobre política.
Carinhas conciliadoras
O núcleo de pesquisa também trabalhou recentemente com os emojis, figurinhas de todos os tipos muito usadas em aplicativos de conversas, como o WhatsApp, e plataformas como o Facebook. A carinha que chora de rir, ou com lágrimas de alegria, foi escolhida pelo Dicionário Oxford, em 2015, como “a palavra do ano”, e muitos linguistas avalizam, de certa forma, essa escolha, concordando que esse tipo de signo acaba mesmo se tornando linguagem.
“A análise dos emojis baseada na estratégia da polidez/impolidez mostra que eles geralmente não são utilizados para ofender ou depreciar a imagem do outro. O mais frequente é que eles supervalorizem a face positiva, para usar o termo técnico”, explica Ana Larissa. “Nesse caso, o emoji funciona como reparo – ou seja, uma rejeição ou recusa é atenuada por um signo que substitui um gesto ou olhar direto. É elemento mitigador de agressividade ou ameaça.
”A pesquisa com foco nos emojis, da mesma forma como no caso das hashtags que reforçam ou contrapõem sentidos nas postagens, tem o objetivo de descrever o discurso cibernético relacionado à apresentação da imagem, ao pertencimento a grupos e à interação. “A linguagem digital é múltipla e muda constantemente, por isso é preciso estudá-la sempre”, completa Ana Larissa Adorno.