Professor da UFMG analisa “calcificação” da polarização política em novo livro
Obra alerta para os riscos que a intolerância à opinião divergente traz para a democracia
A polarização política que o Brasil começou a experimentar mais fortemente após a eleição presidencial de 2018 não se encerrou com a eleição de Lula em 2022. O país segue rachado entre os que votaram no atual presidente e os que votaram em Bolsonaro, e essas posições político-ideológicas, em vez se se relativizarem com o passar do tempo, estão, na verdade, se “calcificando”. Pior: essa polarização pouco tem a ver, de fato, com plataformas econômicas ou propostas sociais. Na prática, ela se ancora no âmbito moral e em seus atravessamentos afetivos, fazendo lembrar a relação de torcedores com o futebol.
Essa é a avaliação que o professor Felipe Nunes dos Santos, do Departamento de Ciência Política da UFMG, e o jornalista especializado em política Thomas Traumann fazem no livro Biografia do abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil, lançado recentemente pela editora HarperCollins.
“O Brasil da polarização extrema se aproximou do abismo de um conflito sem volta nos atos antidemocráticos de janeiro de 2023”, afirmam os autores. “A existência desse abismo pode levar à conclusão de que uma reconciliação nacional é impossível. Mas também pode ser, avaliam, o grande desafio a ser enfrentado e superado”, anota-se no release de divulgação do livro.
Ruptura
Nunes e Traumann alcançaram suas conclusões com base na análise de 99 mil entrevistas domiciliares realizadas entre 2021 e 2023, sob a condução da empresa de pesquisas Quaest. Eles destacam, por exemplo, que as opiniões sobre partidos e candidatos, antes circunscritas ao âmbito político de nossas inserções sociais, tornaram-se parte das nossas identidades e passaram a ditar com quem convivemos.
Conforme dão conta essas entrevistas, um em cada sete brasileiros, por exemplo, rompeu com ao menos uma amizade durante a última campanha, e a maioria desses não se arrepende do rompimento – mesmo com o fim do processo eleitoral. O entendimento dos autores é que essa diminuição da tolerância com a opinião divergente ameaça não apenas o Natal das famílias, mas a própria democracia – que, por definição, seria o regime político do convívio funcional das divergências.
“O paradoxal é que esse estado de enrijecimento das paixões políticas não implica resultados eleitorais pré-determinados. Isso porque as identidades associadas ao lulismo e ao bolsonarismo deram origem a movimentos tão grandes que o resultado pode acabar sendo definido por grupos pequenos. Ao se abster ou optar por um dos lados, eles podem decidir a balança eleitoral. Foi o que aconteceu em 2022, quando o numericamente pequeno grupo batizado de ‘liberais sociais’ fez pender a balança das eleições para Lula”, anota-se no release de divulgação.
Os autores
Especialista no monitoramento de redes, Felipe Nunes é doutor em Ciência Política e mestre em Estatística. O professor da UFMG é sociofundador da Quaest, empresa na qual coordenou centenas de pesquisas eleitorais e estudos de mercado sobre reputação, consumo e comportamento.
Com larga experiência na redação de publicações como Folha de S.Paulo, Veja e Época, Thomas Traumann é jornalista e mestre em ciência política. De 2011 a 2014, foi porta-voz presidencial e ministro de Comunicação Social do governo de Dilma Rousseff.
Ficha técnica
Livro: Biografia do abismo: como a polarização divide famílias, desafia empresas e compromete o futuro do Brasil
Autores: Felipe Nunes e Thomas Traumann
R$ 59,90 / 240 páginas
(Informações de Ewerton Martins Ribeiro | texto completo no Portal UFMG)