Professor da UFMG desenvolve processo que usa resíduos da indústria moveleira na obtenção de material baseado em madeira granulada para fabricaçã
Entre aparas de madeira, serragem e pó de MDF (sigla para placa de fibra de média densidade), estima-se que, somente na capital mineira, as indústrias moveleiras gerem 300 toneladas de resíduo ao mês. A maior parte, segundo o professor Glaucinei Rodrigues Corrêa, da Escola de Arquitetura da UFMG, é descartada incorretamente. “Alguns fabricantes jogam os restos em aterros sanitários, outros doam para granjas ou padarias”, informa. Essa destinação é ambientalmente muito danosa, especialmente em razão da presença de componentes químicos no MDF, como a ureia-formaldeído. “Se aspirada ou ingerida, a substância é potencial causadora de câncer”, alerta o docente.
A ideia de reaproveitar esse resíduo na fabricação de uma “madeira plástica”, combinando-o com um polímero, surgiu em 2004, quando Glaucinei ainda cursava o mestrado em Engenharia de Materiais. “Naquela ocasião, não encontrei interessados em aplicar o processo industrialmente”, relata o professor. Em 2013, motivado pela demanda de uma aluna com projeto de trabalho de conclusão de curso de Design, ele decidiu resgatar a pesquisa.
O processo consiste na mistura da serragem (derivada da madeira maciça) ou do pó de MDF com um aglutinante específico, semelhante à cola branca escolar. No primeiro caso, a proporção de resíduo é de 30%, enquanto no segundo é de 40%. Colocada em uma prensa que tem o molde do produto, a massa é submetida a certas condições de temperatura e pressão, durante o tempo necessário para a obtenção da textura e da cor desejadas, propiciando a obtenção do material e o acabamento estético em uma só etapa. É possível, também, adicionar algum corante. “Foram necessários cerca de três anos de experimentos para encontrar o resultado ideal”, relata Glaucinei Rodrigues.
Entre os objetos desenvolvidos, estão petisqueiras, porta-copos, bowls, cachepôs, bandejas e luminárias. “Dependendo do acabamento, com aplicação de verniz ou óleo, o utensílio pode ser mais resistente à água e a intempéries. Sua resistência mecânica é próxima à do próprio MDF”, descreve o professor.
A produção ambientalmente sustentável e o design sofisticado são, do ponto de vista do seu idealizador, os principais atributos que agregam valor aos objetos. O depósito do pedido de patente da tecnologia foi realizado, neste mês, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e o registro dos objetos produzidos será solicitado em breve. A previsão é que a tecnologia seja licenciada para uma associação de reciclagem da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Parceria
Para a execução do projeto, batizado com o nome de Ligno, Glaucinei Rodrigues recorreu ao sindicato que reúne as indústrias moveleiras de Minas Gerais, o Sindimov. Metade das 84 empresas afiliadas concordou em participar da pesquisa, que traçou um panorama da destinação de resíduos na região.
Os pesquisadores receberam R$ 30 mil do CNPq – por meio de edital que vigorou de 2015 a 2017 – para condução dos estudos, aquisição de equipamentos e realização de testes. Ao longo do período, a equipe, formada por especialistas do sindicato, professores e 10 estudantes (entre bolsistas e voluntários) da Escola de Arquitetura da UFMG, visitou as indústrias e conheceu os processos.
“Muitos dos proprietários nem tinham noção da quantidade de serragem e pó gerados, já que despejavam em tambores e caçambas, sem qualquer controle”, conta o professor. Conforme seus cálculos, um plano excepcional de corte (sem sobras de madeira) de uma chapa de MDF, com 1,5 cm de espessura, 183 cm de largura e 275 cm de comprimento, gera aproximadamente 1kg de pó.
Glaucinei Rodrigues esclarece que o processo é adequado para a fabricação de produtos que saem prontos da prensa, o que é vantajoso por não exigir processos de usinagem, evitando, portanto, a geração de mais resíduos. Ainda de acordo com o professor, a tecnologia de transformação do pó de MDF em produtos está dominada. No caso da serragem como matéria-prima, ainda é necessário desenvolver um desmoldante que possibilite a retirada dos objetos da prensa sem danificá-los. Em 2018, o vínculo com o CNPq foi renovado, e a pesquisa receberá mais R$ 37 mil até 2021.
O investimento relativamente baixo exigido pelo processo torna factível sua replicação até mesmo em marcenarias modestas, como explica Glaucinei Rodrigues: “Pequenas indústrias moveleiras podem reaproveitar o próprio resíduo para fabricar peças como encostos, pés ou banquinhos. Para isso, precisam adquirir somente o molde, a prensa e uma encoladeira de partículas de madeira. Além de retirar da natureza materiais agressivos, a solução também gera novos empregos e renda”, conclui o professor.