Professor do DCC UFMG discute fragilidades da urna eletrônica
Para Jeroen van de Graaf, sistema brasileiro não garante sigilo do voto
O sistema de votação eletrônica, adotado nas eleições brasileiras há pouco mais de 20 anos, não garante o sigilo do voto e a transparência do processo, segundo o professor Jeroen van de Graaf, do Departamento de Ciência da Computação (DCC) da UFMG, especialista em criptografia. No recém-lançado livro O mito da urna: desvendando a (in)segurança da urna eletrônica, ainda sem versão impressa e tema de reportagem da edição 2006 do Boletim UFMG, van de Graaf enumera as falhas do sistema, apresenta alternativas e mostra que a opção brasileira é considerada ultrapassada em diversos países. O “mito da urna”, segundo ele, é “a ideia, criada para consumo doméstico, de que o sistema brasileiro é um exemplo para o mundo”.
A maior falha do sistema, de acordo com van de Graaf, é o eleitor não contar com o sigilo de voto. “Não é assim em lugar algum do mundo. Aqui, o mesário introduz os dados do eleitor no mesmo equipamento em que o eleitor digita seu voto. É obviamente um pecado. O correto seria dar a permissão para o voto e anotar a presença, num sistema diferente daquele em que o voto é registrado”, define o pesquisador, que investiga o assunto desde 2001.
No ano seguinte, van de Graaf integrou grupo da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) que analisou o processo de votação a convite da Justiça Eleitoral. “Naquele momento, constatamos a inviabilidade de uma verificação independente do processo, mas não fomos chamados para discutir o assunto”, conta. Ele esclarece que transparência, nesse caso, refere-se à verificabilidade, tanto no âmbito individual quanto no universal, em que todos se convencem da correção dos procedimentos.
“A urna baseia-se na filosofia de ‘segurança por obscuridade’, de acordo com a qual os detalhes do projeto de um sistema devem ser mantidos secretos. Essa filosofia certamente faz sentido em muitos casos, em contextos militares, por exemplo. Mas não cabe no processo eleitoral, que é central em uma democracia”, afirma o autor no texto de introdução do livro. Ainda segundo van de Graaf, “nenhuma confirmação independente do resultado da eleição é possível, pois não há como recontar os votos”. Ele enfatiza que o sistema é uma “caixa preta, cujo funcionamento interno é conhecido apenas de um pequeno grupo de técnicos do TSE [o Tribunal Superior Eleitoral]”.
Esperança em Austin
O professor do DCC recomenda, em consonância com outros especialistas, brasileiros e estrangeiros, que o voto seja comprovado fisicamente. “A comprovação digital não possibilita auditoria. Como o eleitor tem certeza de que o seu voto não foi mudado? É preciso confiar cegamente na idoneidade da Justiça Eleitoral”, argumenta o pesquisador. Em sua visão, imprimir o voto registrado eletronicamente, medida que vem sendo cogitada, é uma necessidade e não retrocesso.
Coordenador do laboratório Inscrypt, dedicado à segurança da informação, o pesquisador classifica de promissor um sistema que está sendo estudado na cidade de Austin, no estado americano do Texas. Segundo van de Graaf, esse processo de votação apoia-se em dois equipamentos independentes. Um deles imprime o voto de duas maneiras: com o nome do candidato e em forma de código QR, contendo o voto cifrado. O sistema escaneia o código, e o eleitor pode levar esse código para casa, para conferir na internet se a cédula foi incluída no conjunto a ser apurado. Por meio de técnicas criptográficas, é possível apurar os votos preservando o sigilo do voto. O papel com o nome do candidato é depositado em uma urna convencional, e só há contagem desses votos em papel em caso de auditoria.
“Um modelo como esse poderia ser adaptado para o Brasil, naturalmente com características que considerem costumes eleitorais peculiares, como a atribuição de números aos candidatos”, afirma o professor do DCC. “Os sistemas eleitorais são diferentes no Brasil e nos EUA, que elegem também juízes e promotores e fazem perguntas plebiscitárias. Além disso, condados e estados têm autonomia para a gestão, e as tecnologias são compradas no mercado. No Brasil, o TSE centraliza o processo e aplica o mesmo modelo para todo o país.”
Do ponto zero
O mito da urna aborda o tema do ponto de vista histórico, enumera requisitos de segurança e transparência, analisa a urna sob a luz desse conjunto de requisitos, especula sobre soluções de longo prazo e compila posições sustentadas pelo TSE ao longo dos anos para justificar o sistema.
No fim do livro, ao oferecer um resumo do que considera as falhas principais do sistema brasileiro de votação eletrônica, Jeroen van de Graaf salienta que países como Holanda, Estados Unidos e Alemanha proibiram sistemas que não produzem comprovação física do voto, mas argumenta que “não faz sentido meramente acrescentar uma impressora à urna e investir R$ 2 bilhões nessa abordagem ultrapassada. A urna deveria ser projetada novamente, do ponto zero”.
Também nas considerações finais, o pesquisador defende a participação da pesquisa acadêmica no debate e no desenvolvimento de projetos para um sistema eleitoral no Brasil. “Espero que este livro dê início a um diálogo tão necessário”, afirma Jeroen van de Graaf.
Livro: O mito da urna: desvendando a (in)segurança da urna eletrônica
Autor: Jeroen van de Graaf