Tese da Psicologia UFMG descreve os efeitos do rompimento da barragem em Mariana sobre as mulheres
“Mariana é nome de cidade, que é mulher, é feminino e é atingida. É mulher pobre, trabalhadora rural, dos distritos destruídos pela lama, é mulher negra, como a maioria das mulheres de Paracatu, Pedras, Borbas e Campinas”. É dessa forma que a psicóloga Débora Diana da Rosa enxerga os impactos que aterrorizam a parcela da população mais afetada pelo rompimento, em novembro de 2015, da barragem da Mina de Fundão, de propriedade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton.
A psicóloga, que defendeu tese em março deste ano no Programa de Pós-graduação em Psicologia da UFMG, afirma que as mulheres são continuamente afetadas. “A tese é resultado de um intenso trabalho de campo. Estive por quase dois anos e meio acompanhando cotidianamente as famílias, além de participar de audiências públicas e atos realizados pelas atingidas e pelos atingidos para reivindicar seus direitos”, esclarece a doutora.
Seu trabalho teve início em 2016, quando atuava como psicóloga no atendimento às famílias afetadas pelo rompimento da barragem. Sensibilizada pela proporção da tragédia, das dores e das lutas da comunidade, Rosa decidiu alterar a temática de sua pesquisa. “Na época, eu já cursava o doutorado na UFMG com outro tema. No entanto, trabalhar em Mariana mudou também os caminhos do meu doutorado, e, assim, oficializei a mudança do meu tema de pesquisa em setembro daquele ano”, explica.
Para construir a pesquisa, Débora Rosa analisou reportagens jornalísticas produzidas na época do rompimento e atas das primeiras reuniões. Participou também de audiências públicas e assembleias convocadas pelo Poder Judiciário com as empresas e os afetados e entrevistou, em profundidade, cinco mulheres que relataram como o episódio marcou suas vidas e impôs nova rotina a partir daquele 5 de novembro de 2015. “Nesse exercício, observei que violências das mais distintas ordens atualizam-se no cotidiano das envolvidas”, afirma.
Violências
A pesquisadora salienta que a população é impactada por uma série de violências, que ela define como econômica/institucional e psicossocial. O eixo central das violências é o modelo de mineração em voga no Brasil que culminou no rompimento da barragem em Mariana. Os efeitos mais visíveis referem-se à destruição dos territórios e dos modos de vida das populações diretamente afetadas. Outra violação diz respeito às relações estabelecidas entre o Estado, o Judiciário e as empresas. Débora Rosa constata que, em sua maioria, os acordos firmados acabaram beneficiando as empresas, as quais considera criminosas.
Além de terem seus direitos negados, as mulheres foram sobrecarregadas com novos afazeres domésticos, como a incumbência de cuidar das pessoas que adoeceram em razão do rompimento da barragem.
Rosa sustenta que as mulheres, além de afetadas por esses processos de violações, sofrem com uma terceira forma de violência: a patriarcal, originária do sistema estrutural machista de opressão. Em sua pesquisa exploratória, a autora do estudo presenciou uma série de constrangimentos que elas sofreram exatamente por serem mulheres. “O cartão de auxílio financeiro mensal, concedido como medida inicial de compensação, por exemplo, foi entregue prioritariamente aos homens, e as atividades informais que muitas delas exerciam, como corte de cabelo, produção de doces, artesanato, tarefas na lavoura e pesca não foram reconhecidas como perda de trabalho e renda para efeito de indenização”, afirma a doutora.
A lama continua
Além de terem seus direitos negados, as mulheres foram sobrecarregadas com novos afazeres domésticos, como a incumbência de cuidar das pessoas que adoeceram em razão do rompimento da barragem. Débora Rosa também constatou que essas pessoas se isolaram socialmente, pois perderam a relação com vizinhas e familiares próximos que auxiliavam nas tarefas de cuidado.
Isso tudo se junta aos obstáculos que a mulher enfrenta para ser ouvida. “A dificuldade de participação é dupla. De um lado, existe o desafio de estar presente nas muitas reuniões para discutir o processo de reparação. Participar de uma reunião significa deixar de fazer outras tarefas ou ficar sobrecarregada para conseguir executá-las mais tarde. De outro, existe o desafio de ser ouvida e considerada quando fala e se posiciona nos diferentes espaços em que atua”, analisa Débora Rosa.
Tese: Violências e resistências: Impactos do rompimento da barragem da Samarco/Vale e BHP Billiton sobre a vida das mulheres atingidas em Mariana/MG
Autora: Débora Diana da Rosa
Orientadora: Claudia Mayorga
Defesa: março de 2019, no Programa de Pós-graduação em Psicologia da Fafich UFMG
(Texto de João Paulo Alves – Boletim UFMG 2.061)