Tese da UFMG analisa obstáculos para o acolhimento de adolescentes trans em BH

Pesquisa propõe escuta ativa para aprimorar práticas dos serviços socioassistenciais

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, é considerado um avanço no campo dos direitos da infância na comparação com o ordenamento jurídico anterior, o Código de Menores, de 1979. No entanto, quando se trata de meninas travestis e transexuais, o acolhimento institucional conferido pelo Estado ainda está longe garantir o compromisso fundamental preconizado pelo ECA: a proteção integral dessas jovens. É o que conclui a tese de doutorado da UFMG Adolescente demais para ser travesti ou travesti demais para ser acolhida? Acolhimento institucional de jovens trans no município de Belo Horizonte.

Defendido por Leonardo Tolentino, no Programa de Pós-graduação em Psicologia, o estudo apresenta o fenômeno que faz com que, em alguns momentos, jovens trans sejam consideradas “adolescentes” demais para serem travestis, uma forma de negar reconhecimento às suas identidades de gênero, e, em outros, sejam classificadas como “travestis” demais para serem "adolescentes", o que dificulta um acolhimento efetivo.

“A pesquisa mostrou que o acolhimento institucional de jovens travestis e transexuais em Belo Horizonte é feito por sistemas, engrenagens e fluxos prescritos pelo ordenamento jurídico, pelas normatizações técnicas e pelas práticas cotidianas que constituem o Sistema de Garantia de Direitos (SGD)”, explica Tolentino. O pesquisador, que é servidor da Prefeitura de Belo Horizonte há 10 anos, decidiu realizar a pesquisa quando atuava no Centro de Referência LGBT da capital. Na época, provocado pela militante Anyky Lima, ele começou a questionar como a política de assistência social lidava com o aumento das mulheres trans em situação de rua e com as adolescentes trans que vinham do interior para capital após serem expulsas de suas casas.

“O grande desafio era entender como os trabalhadores envolvidos nas políticas de assistência social lidavam com a adolescência e com a transexualidade quando esses dois significantes apareciam juntos. Sempre me pareceu que isso produzia um imbróglio, um ponto de embaraço para os serviços socioassistenciais. A política pública mostrava dificuldade para lidar com esse tipo de situação”, diz ele.

Performances de acolhimento

Segundo o Fórum de Abrigos de Belo Horizonte, a capital contava, de 2017 a 2022, com 49 unidades de acolhimento institucional para crianças e adolescentes. As jovens travestis e transexuais circulavam por 15 casas de abrigamento.

Para desenvolver sua pesquisa, Leonardo Tolentino selecionou casos relacionados a dez jovens travestis e transexuais, que à época do abrigamento tinham entre 13 e 18 anos. Essas jovens foram inseridas no Sistema de Garantia de Direitos de Belo Horizonte, especialmente nos serviços de acolhimento institucional, de janeiro de 2015 a dezembro de 2021.

Para compreender como a política de assistência social acolhia as adolescentes trans e as práticas produzidas em torno do abrigamento das jovens travestis na capital, Leonardo Tolentino baseou-se no conceito de “performance”. “Por mais que a política de assistência diga que não sabe o que fazer com essas pessoas, ela faz muita coisa. A Prefeitura de BH já dispunha de uma série de práticas em torno da experiência trans na adolescência, ou seja, ela já acolhia institucionalmente essas adolescentes", afirma o pesquisador.

O autor explica que o conceito de “performance” está relacionado ao fato de que nenhum objeto existe sem estar articulado às práticas que o produzem e o fazem existir. Assim, ao estudo foi aplicada uma metodologia chamada praxiografia, segundo a qual os fenômenos ou objetos de pesquisa acontecem e são performados pelos indivíduos. Para sua análise, Tolentino coletou os documentos produzidos pelos órgãos gestores da política de assistência social da Prefeitura, pelos juizados especiais da infância e adolescência, pelos conselhos tutelares, pelas defensorias públicas e por outros órgãos. Além da análise dos documentos, ele conversou com as adolescentes em encontros periódicos. 

“Nesses encontros, que chamávamos de ‘Chá de bonecas’, as meninas me contavam como havia sido o acolhimento institucional delas, desde o momento em que foram expulsas de suas casas. Elas contavam como foi a vinda para a capital e como foi a vivência nos abrigos. Durante sete anos da minha trajetória de serviço público, eu participei dos processos de acolhimento desses casos. Assim, eu já tinha uma visão de dentro do sistema, conhecendo bem a rede de proteção disponível para essas meninas".

Saiba mais em matéria de Luana Macieira para o Portal UFMG.

Tese: Adolescente demais para ser travesti ou travesti demais para ser acolhida? Acolhimento institucional de jovens trans no município de Belo Horizonte
Autor: Leonardo Tolentino Lima Rocha
Orientador: Marco Aurélio Máximo Prado

Defendida em março de 2023 no Programa de Pós-graduação em Psicologia do Departamento de Psicologia da Fafich; menção honrosa no III Prêmio de Dissertações e Teses Universitárias em Estudos da Diversidade Sexual e de Gênero, conferida pela Associação Brasileira de Estudos da Trans-Homocultura (Abeth). O trabalho foi desenvolvido no âmbito do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBT (NUH) da UFMG.

Assessoria de Imprensa UFMG

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Assessoria de Imprensa UFMG