Tese na UFMG investiga trajetória da irmandade negra dos Carolinos

Planejada como nova capital de Minas Gerais na esteira dos ideais de modernização do Brasil republicano, Belo Horizonte experimentou, em sua fundação (fim do século 19 e primeiros anos do século 20), forte processo de “higienização social”. A proposta de progresso da cidade a tornava incompatível com a presença de uma parcela da população que incluía os negros, libertos da escravidão havia pouco tempo.

“É escassa a figura dos negros nos registros da cidade na Primeira República”, observa a pesquisadora Wanessa Pires Lott, que, no ano passado, defendeu no Programa de Pós-graduação em História da Fafich, a tese Tem festa de negro na república branca: o Reinado em Belo Horizonte na Primeira República.

“O estudo se voltou para a religiosidade desse povo, com foco na Irmandade dos Carolinos, fundada em 1917 e única entidade negra da qual encontrei vestígios documentais da época”, descreve Wanessa.

Ainda nos dias de hoje, as manifestações e festejos dos Carolinos, sediados desde os seus primórdios no bairro Aparecida, percorrem as ruas da região noroeste da cidade. Eles também são frequentemente convidados por outras comunidades religiosas a participar de seus festejos. Cerca de 50 descendentes diretos ainda moram no terreno da sede.

Além da análise dedicada ao período posterior à fundação da cidade, a tese evidencia a atual intenção de reconhecimento, por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), das irmandades como patrimônios culturais de Minas Gerais.

Cidade segmentada

Na formatação da planta de Belo Horizonte, foi estabelecida uma zona urbana, circundada pela Avenida do Contorno (na época, Avenida 17 de Dezembro), que seria detentora de vários privilégios. Planejou-se ali a inserção de equipamentos como saneamento básico, telefone e água encanada. “A Contorno isolava a cidade ideal daquela caracterizada como pobre, perigosa e insalubre”, afirma Wanessa.

Nas zonas suburbanas, a distância em relação à metrópole também prejudicou o trânsito aos locais de fé católica, pois as capelas de Santana, de Nossa Senhora da Boa Viagem e de Nossa Senhora do Rosário ficavam dentro do perímetro urbano. “A organização em irmandades foi uma solução encontrada pelos católicos moradores das periferias, onde prevaleciam os negros”, explica a pesquisadora.

As manifestações religiosas dessas comunidades, como apurou Wanessa, incomodavam a Igreja Católica. Em ata publicada no ano de 1926, o então arcebispo Dom Cabral proibiu as festas do Reinado de Nossa Senhora do Rosário em Minas Gerais.

A historiadora explica que, no caso da Irmandade dos Carolinos, a impossibilidade de se fazer o traslado do bairro Aparecida ateì um templo católico no perímetro da Avenida do Contorno demandou alterações na pratica religiosa da comunidade. “O percurso foi então adaptado, com saída e chegada em um mesmo ponto. As dificuldades acabaram fortalecendo a identidade do Reinado”, observa Wanessa Lott.

Reconhecimento tardio

Décadas depois de terem sido reprimidos pelo Estado e pela Igreja, os congadeiros negros podem ser reconhecidos, oficialmente, como patrimônio cultural. Desde a década de 1930, existem agência oficiais de preservaçaÞo da cultura nacional, mas o debate sobre a proteção ao patrimônio imaterial do pais, a exemplo das festas das irmandades, surgiu somente na década de 1970.

Segundo a autora da tese, o Iphan já iniciou o processo para registrar os rituais dos Carolinos, mas ressalta que essa valorização, empreendida sob o ponto de vista do Estado, não tem seduzido todos os lideres das comunidades. “Para os Carolinos, o titulo de patrimônio cultural não faz grande diferença, especialmente porque não implica ajuda material. Eles, inclusive, incomodam-se com as formalidades e a burocracia inerentes a esse reconhecimento”, comenta Wanessa Lott.

Tese: Tem festa de negro na Republica branca: o Reinado em Belo Horizonte na Primeira Republica
Autora: Wanessa Pires Lott
Orientadora: Regina Helena Alves da Silva
Data da defesa: 26 de maio de 2017

Matheus Espíndola – Boletim UFMG 2004

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