UFMG: diferença genética entre andinos e amazônicos impacta posologia de medicamentos

Comentário de grupo liderado por pesquisadores da UFMG na Cell demonstra que dosagem de medicamentos deve levar perfis genéticos em conta

Os peruanos da Amazônia, no que diz respeito a certos marcadores genéticos, são tão diferentes dos peruanos dos Andes quanto os europeus são diferentes dos asiáticos orientais. Tão ou ainda mais diferentes, se o que está em jogo é o quanto essas variações genéticas impactam na resposta que cada indivíduo oferece a certos medicamentos. O estudo que conduz a essa conclusão foi apresentado no dia 8 de agosto, em um comentário publicado na Cell Press, renomada revista científica do campo das ciências da vida.

O trabalho é assinado por um grupo multinacional de pesquisadores, liderado por doutorandos dos programas de pós-graduação em genética (Isabela Alvim e Marla Mendes de Aquino) e em bioinformática (Carolina Silva Carvalho e Victor Borda) da UFMG. Eles foram orientados pelo professor Eduardo Tarazona Santos, do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, que também assina o trabalho.

O que se afirma na publicação é que esse nível de variação genética pode afetar decisivamente os efeitos colaterais que cada indivíduo experimenta ou não ao consumir fármacos como a rosuvastatina, para tratar o colesterol elevado, e a varfarina, para combater os efeitos da trombose. As conclusões apresentadas no comentário remontam à tese de doutorado que Isabela Alvim, principal autora do texto, defendeu em 2021 no ICB, sob a orientação de Eduardo Tarazona, denominada Adaptação aos ambientes andino e amazônico e a relevância médica da diversidade genética em populações nativas sul-americanas.

Isabela lembra que, enquanto a região amazônica é uma floresta tropical de baixa altitude, a região andina é caracterizada por um ambiente seco, de baixa oxigenação e de alta altitude. “Estressores ambientais tão diferentes como esses podem gerar mudanças genéticas e adaptações biológicas”, ela destaca. “Além disso, os andinos e os amazônicos também desenvolveram línguas, estruturas sociais e práticas agrícolas distintas, o que pode ter contribuído ainda mais para a sua diferenciação, por meio da seleção natural, ao longo do tempo”, reflete.

O estudo que o comentário científico traz a público faz frente ao preconceito histórico segundo o qual a população nativa americana é vista como um grupo geneticamente homogêneo. Trata-se de um preconceito de lastro colonial, mas que resiste ainda hoje, ignorando ainda as tantas variações de meio ambiente, história e cultura encenadas no continente americano. É contra a simplificação exagerada que subjaz esse preconceito – e contra as consequências negativas que ele tem para a saúde dos povos nele implicados – que o estudo se insurge.

Para a investigação, o grupo de pesquisadores – são 18, ao todo, do Brasil, do Peru, do Canadá, da Nova Zelândia, da Austrália e dos Estados Unidos – analisou a diversidade genômica de 294 indivíduos de 17 grupos indígenas peruanos das regiões dos Andes e da Amazônia. Foi por meio dessa análise que eles descobriram variações genéticas capazes de fazer os peruanos amazônicos e os peruanos andinos responderem à rosuvastatina e à varfarina de forma significativamente diferente. “A rigor, as diferenças genéticas que afetam a farmacologia observadas nos andinos e nos amazônicos são ainda maiores do que as observadas entre europeus e asiáticos”, afirma Eduardo Tarazona Santos.

Detalhes que fazem a diferença

Por meio do exemplo que destaca, o estudo chama a atenção para uma das grandes lacunas da ciência moderna: a falta de diversidade na pesquisa e no estabelecimento de grupos de análise, quase sempre focados em europeus. Denominado The need to diversify genomic studies: insights from Andean highlanders and Amazonians (A necessidade de diversificar os estudos genômicos: conhecimentos sobre os montanheses andinos e amazônicos, em tradução livre), o comentário traz o caso dos peruanos andinos e amazônicos como exemplo de como a diferença genética entre grupos aparentemente próximos pode impactar decisivamente a eficácia e os efeitos de medicamentos entre eles.

Em relação à varfarina, por exemplo, a precisão da dosagem é fundamental. O medicamento é usado, entre outras coisas, para prevenir coágulos sanguíneos. Assim como uma quantidade insuficiente do anticoagulante torna a terapia ineficaz, uma dosagem excessiva pode colocar os pacientes em risco de sangramento intenso. O estudo constatou que, com base nas suas variações genéticas, 69% dos indivíduos da região Sul dos Andes necessitam de uma dosagem reduzida de varfarina, em comparação com 93% dos indivíduos da Amazônia.

Os pesquisadores também perceberam que os peruanos amazônicos, em razão de suas especificidades genéticas, respondem melhor que os peruanos andinos à terapia com rosuvastatina, fármaco prescrito para reduzir os níveis de colesterol e prevenir eventos cardiovasculares. No caso desse medicamento, também foi possível constatar que seus efeitos colaterais incidem de forma distinta nos dois grupos genéticos. Os exemplos ressaltam a necessidade de incorporar a pesquisa genômica nos estudos para a atribuição de posologia, de modo a garantir uma aplicação eficaz da chamada “medicina de precisão”.

O comentário científico publicado na Cell pode ser lido no site da revista. Para acessá-lo, vá por aqui.

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Ewerton Martins Ribeiro | com Assessoria de Imprensa da UFMG

Fonte

Assessoria de Imprensa

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