UFMG inaugura três residências exclusivas para estudantes indígenas
“Casas-bioma” representam um passo intermediário do projeto de construção de moradia indígena nas imediações do campus Pampulha
A UFMG inaugurou neste mês três residências exclusivas para estudantes indígenas. Denominadas “casas-bioma” pelos próprios moradores, essas moradias foram especialmente planejadas para serem ocupadas pelos estudantes oriundos do vestibular suplementar para estudantes indígenas, que a UFMG faz anualmente.
As vagas do vestibular suplementar são destinadas exclusivamente àqueles que vivem nas aldeias, em alguma das centenas de comunidades autóctones distribuídas pelo Brasil. Um dos grandes desafios dessa inovação – ainda exclusiva de algumas poucas instituições federais de ensino brasileiras – é a questão da moradia: como esses alunos vêm de realidades comunitárias muito distintas das que são experimentadas nas grandes metrópoles e não têm familiares nem conhecidos nas cidades onde ficam os campi das universidades, eles acabam demandando uma atenção diferenciada para se situar na chamada “cidade grande”.
As moradias indígenas inauguradas pela UFMG surgem como trunfo para colaborar nessa aclimatação. Três foram inauguradas: a Casa Cerrado, nos limites entre os bairros Serra e Centro, onde vivem atualmente nove estudantes indígenas; a Casa Amazônia, no bairro Liberdade, habitada por outros nove alunos; e a Casa Caatinga, no bairro São Luiz, onde vivem sete discentes. Juntas, as três moradias podem receber até 35 alunos.
A Casa Cerrado busca servir aos alunos que cursam graduação na Faculdade de Direito e no campus Saúde, enquanto as casas Amazônia e Caatinga – onde ocorreu a cerimônia de inauguração desta sexta – situam-se no entorno do campus Pampulha, sede do principal complexo de prédios e cursos da UFMG.
A TV UFMG também acompanhou a cerimônia de inauguração na Casa Caatinga. A reportagem esteve, ainda, nas casas Cerrado e Amazônia, onde conversou com seus moradores. Assista ao vídeo.
Jenipapo, urucum e barro branco
“Estamos aqui para pintar este espaço de jenipapo, urucum e barro branco”, provocou Guilherme Manuel Silva Oliveira, indígena do povo Pankararu, de Pernambuco, em seu pronunciamento no evento. Estudante de Odontologia, ele fala em nome do coletivo indígena que se formou na UFMG no âmbito do vestibular suplementar e da luta das diversas etnias indígenas brasileiras por melhores condições de vida, seja nas universidades, seja em seus próprios territórios. “Vimos a necessidade da criação desse coletivo para trabalhar pela nossa permanência e pelo senso de coletividade, em nossa organização social”, disse ele ao Portal UFMG.
“No nosso coletivo, nós temos hoje alunos do povo Xakriabá, daqui de Minas, dos Pataxó de Minas e dos Pataxó da Bahia, do povo Pankararu, de Pernambuco, do povo Potiguara, da Paraíba, do povo Tupiniquim, do Espírito Santo, dos povos Atikum e Pankará, de Pernambuco, do povo Tukano, do Amazonas, do povo Tikuna, do Amazonas, do povo Kaxixó, daqui de Minas. É um coletivo que cresce cada vez mais, e cresce com força, na busca pela demarcação de um espaço”, afirmou ele. “Quando estamos entre os nossos, isso flui mais”, acrescentou o estudante, quando perguntado sobre a importância de uma moradia em separado para os seus povos.
“O nosso objetivo não é apenas entrar na Universidade, mas entrar pela porta da frente, poder se manter aqui com dignidade e também sair com dignidade – sair com uma vitória para a gente e para o nosso povo”, afirmou Guilherme, destacando a importância de contar com um espaço em que se possa praticar cerimônias e rituais. “Para nós, que saímos do nosso território e deixamos nossas aldeias, nossas casas, é muito importante chegar aqui com a segurança de encontrar um lugar para ficar com dignidade junto aos nossos.”
Vagas suplementares
O programa de vagas suplementares para estudantes indígenas foi instituído na UFMG em 2012, conectado à noção de direitos indígenas incluída na Constituição Federal de 1988, que põe fim à tutela e ao preceito integracionista que vigorou na política indigenista do Estado brasileiro. Nesse sentido, a política assumida pela UFMG baseia-se no reconhecimento, no respeito e na preservação da cultura indígena, inclusive em contexto urbano, o que implica gerar oportunidades, também na “cidade grande”, para a manutenção das práticas de sociabilidade coletiva próprias desses povos.