Institucional

Catedráticos propõem escuta e cooperação para superar desafio da formação de professores

Seminário de integração de pesquisas avançadas na área reuniu especialistas da UFMG, USP, UFRJ e gestores educacionais

Margarete Gatti:
Bernadete Gatti: "formação de professores é o cerne do desafio para educação de qualidade e equidade" Foto: Samuel Elias | UFMG

Onde estão os desafios do processo de formação de professores da educação básica? Essa reflexão foi proposta pelos professores Bernadete Gatti e António Nóvoa, especialistas de renome internacional sobre a temática que desafia diversos países, durante o Primeiro Seminário de Integração das Cátedras de Educação Básica dos Institutos de Estudos Avançados da UFMG, UFRJ e USP. O evento, realizado na última sexta-feira, 4 de abril, reuniu, no auditório da Reitoria, estudantes de licenciaturas, professores formadores de instituições de ensino superior e da Escola de Formação da Secretaria de Educação de Minas Gerais, gestores e professores das escolas de educação básica.

“O diálogo entre todos os agentes da educação, especialmente universidades e escolas básicas, é primordial para a compreensão das demandas postas pelas novas gerações, permeadas pelas transformações científicas e tecnológicas, e que estão inseridas na vida escolar. A universidade, por meio de sua vocação educativa, de preparação daqueles que vão formar crianças e jovens, precisa sair de seu nicho particular e ampliar os horizontes por meio da escuta e cooperação”, considerou Bernadete Gatti, durante a mesa-redonda Parcerias entre universidades e escolas na formação de professores da educação básica.

A professora, titular da Cátedra Alfredo Bosi de Educação Básica do IEA/USP e especialista em demografia educacional, destacou que 80% das escolas públicas são responsáveis pelo provimento da educação básica para a população brasileira. “São 47,3 milhões de estudantes matriculados, sendo 30 milhões nas escolas públicas, segundo o Censo de 2023. Para que os jovens gostem do aprender, os professores precisam de condições básicas para estar na sala de aula e estabelecer relações adequadas com essas novas gerações. A educação de qualidade e equidade é o chamamento dos governos e instituições acadêmicas. Portanto, a formação dos professores é o cerne desse desafio, que depende de envolver uma conversa intensa entre os agentes da educação”, convocou.

Ainda na avaliação da catedrática, “o ensino superior no Brasil já nasceu apartado das demandas da sociedade e da educação básica, talvez pela própria herança histórica do período colonial, quando esse nível de ensino foi implementado não para atender à demanda de escolarização do povo, mas pela falta de perspectiva de D. João VI retornar à Portugal”. E como agravante, a pesquisadora acrescentou: “A carreira universitária, iniciada no século passado, institucionalizou-se com valoração da pesquisa e do pesquisador sobre a do professor. Esse ethos consolida o academicismo individualista e o abandono do trabalho educacional que é a obrigação das universidades”, criticou Bernadette Gatti.

“Precisamos romper a cultura competitiva e individualista que abarcou o meio educacional e as barreiras dos microespaços de poderes que defendemos. A universidade tem que deixar de ser superior para que a humildade universitária nos leve ao diálogo cooperativo com as escolas de educação básica. Precisamos perder o medo de olhar para nós mesmos e agir de forma organizada entre pessoas e instituições, porque uma andorinha só não faz verão”, concluiu.

Margarete Gatti, Maria José Flores, Elton Martins Silvério, Antonio Novoa
Bernadete Gatti, Maria José Flores, Elton Martins Silvério e António Nóvoa Foto: Samuel Elias | UFMG

Espaço alargado
Para o professor António Nóvoa, essa mudança depende da criação de condições nas escolas de educação básica “para que se alargue o espaço de vitalidade da profissão docente”. O professor, primeiro ocupante da Cátedra Fundep Magda Soares de Educação Básica, do Ieat/UFMG, defende a construção de um espaço comum de formação de professores, não apenas para a formação inicial, mas também para a indução profissional docente, para a formação continuada e, ainda, para tornar pública a voz dos professores da educação básica.

“Precisamos de espaços organizados para ampliar a vitalidade da profissão docente, em que as pessoas sintam que é possível construir novas práticas, propostas e dinâmicas de inovação. Nem todos estarão prontos e dispostos, porque estão desanimados com as más condições de trabalho, com o desprestígio da profissão, com a burocracia, com a mercantilização da educação, com a falsa ilusão de que as tecnologias substituirão os professores”, reconheceu.

“Estamos vivendo um inferno, um inferno com ataques à ciência, ao conhecimento e aos direitos humanos em todo o mundo. E contra esse inferno precisamos de coragem, que tem muito de insurgência e indignação, como disse Guimarães Rosa. As universidades têm que criar condições para assumir coerência, consistência e identidade nas suas licenciaturas. A responsabilidade é mais que dar uma aula, é também assumir o compromisso de se dedicar a formar professores. E as escolas, tal como estão organizadas, não atendem a essa necessidade. É preciso construir uma dinâmica que possibilite caminhar nesse sentido do espaço comum de formação docente", defendeu o catedrático.

Longa duração
A Cátedra Fundep Magda Soares de Educação Básica, como destacou a diretora do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat/UFMG), professora Patrícia Kauark, “é a primeira de longa duração, atendendo ao novo modelo proposto e com o objetivo de que possa constituir, no seio de um programa temático, um verdadeiro ecossistema de pesquisa interdisciplinar e atrair nomes relevantes para colaborar com equipes locais de pesquisa”.

A mesa de abertura do Seminário com representantes das cátedras e gestão da UFMG
A mesa de abertura do seminário teve representantes das cátedras e gestores da UFMG Foto: Elias Samuel | UFMG

Ainda segundo a diretora, a cátedra conta com uma comissão gestora e um conselho consultivo e pretente abrigar grupos de pesquisa, jovens pesquisadores de pós-doutorado e estudantes de iniciação científica para articular uma rede de cooperação com gestores e professores da educação básica.

A pró-reitora adjunta de Graduação, Maria José Flores, e o vice-diretor da Escola Estadual Madre Carmelita, Elton Martins Pimenta Silvério, ambos integrantes da comissão gestora da cátedra de educação básica do Ieat/UFMG, mediaram o debate, que teve a participação da professora Gisele Cruz, coordenadora da Cátedra Anísio Teixeira do Complexo de Formação de Professores da UFRJ, da pró-reitora de Pós-graduação, Isabela Pordeus, da pró-reitora adjunta de Extensão, Carmen Rosa Vergara, e do coordenador da Cátedra Magda Soares de Educação Básica, Júlio Emilio Diniz Pereira.  

Teresa Sanches