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Morre o professor Michel Marie Le Ven, do DCP

Nascido na França, ex-padre preso pela ditadura atuou para aproximar a academia do mundo do trabalho e dos movimentos sociais; velório restrito a familiares ocorrerá neste sábado

Michel Le Ven em sua casa em Ribeirão das Neves:
Michel Le Ven em casa, em Ribeirão das Neves: história oral associada à sociologia clínicaFacebook do professor

O professor Michel Marie Le Ven, do Departamento de Ciência Política (DCP) da Fafich, morreu na manhã desta sexta-feira, dia 22, em Ribeirão das Neves, em decorrência de insuficiência cardíaca e respiratória. Le Ven, que tinha 89 anos, lutava há algum tempo contra o Mal de Alzheimer. Seu corpo será velado neste sábado, dia 23, das 7h30 às 9h30, no Metropax (Avenida do Contorno, 3.000, bairro Santa Efigênia), com a presença apenas de familiares em razão do protocolo da pandemia de covid-19. O sepultamento será no Cemitério da Paz, no bairro Caiçara, a partir das 10h30.

Nascido em Plouguernout, no Norte da França, Le Ven, então padre jesuíta, chegou a Belo Horizonte em 1965 para atuar na Igreja do Horto, na Zona Leste da capital, onde seu trabalho inspirado na Teologia da Libertação chamou a atenção do regime militar. No início de dezembro de 1968, dias antes da instauração do AI-5, ele foi preso juntamente com os colegas Francisco Xavier Berthou, Hervé Croguenec, também franceses, e o então diácono brasileiro José Geraldo da Cruz, acusados de práticas subversivas. O episódio dos “padres franceses” abriu uma crise entre a Igreja Católica e a ditadura. Le Ven e os demais religiosos foram soltos apenas no ano seguinte. Em 2016, o professor publicou o livro Memórias vivas de 1968, pela Editora PUC Minas, no qual resgata os acontecimentos daquele ano. Em sua avaliação, a prisão dos clérigos tinha o objetivo de desarticular jovens lideranças e a própria ala progressista da Igreja Católica.

No início dos anos 1970, ele realizou pesquisas pioneiras sobre as classes populares em favelas de Belo Horizonte. Em 1975, Le Ven ingressou como professor do DCP. No ano seguinte, também na UFMG, obteve o título de mestre. Em 1978, doutorou-se pela USP.

Como professor da UFMG, Michel Le Ven trabalhou para aproximar a academia do mundo do trabalho e dos movimentos sociais. Ele foi um dos idealizadores do Laboratório de Estudos Urbanos e, mais tarde, do Núcleo de Estudos sobre o Trabalho Humano (Nesth). “Le Ven sempre esteve ao lado de quilombolas, indígenas, trabalhadores, enfim, das pessoas que têm seus direitos desrespeitados. Desempenhou, junto com outros religiosos católicos, papel fundamental na formação da consciência popular”, testemunha o professor Carlos Roberto Horta, o Bebeto, que trabalhou com ele no DCP, no Nesth e na Escola Sindical 7 de Outubro, na região do Barreiro, da qual Le Ven foi um dos fundadores, em 1987. Vinculada à Central Única dos Trabalhadores (CUT), a 7 de Outubro é um centro de formação de lideranças sindicais.

A professora Magda Neves, que dirigiu a Fafich de 1994 a 1998, era amiga de longa data do professor, que orientou sua dissertação de mestrado que versou sobre trabalhadoras da tecelagem. “Ele foi um grande amigo e professor. Acreditava que a universidade pública deveria ser um ambiente capaz de produzir conhecimentos úteis para a sociedade, aberto a trocas e preocupado em trazer questões do mundo para estudá-las, compreendê-las e propor soluções”, afirma a professora.

Michel Marie Le Ven foi um dos fundadores, em 1989, do Programa de História Oral da Fafich, hoje Núcleo de História Oral. Em nota, a Associação Brasileira de História Oral, da qual o professor foi integrante destacado, afirmou que ele associou a história oral à sociologia clínica, passando a “compreender a escuta das narrativas pessoais como uma forma de cuidado”. Ainda segundo a nota, ele "foi um militante pelo direito à memória e à verdade” e contribuiu para a formação de muitos pesquisadores. “Sua coerência, generosidade e obstinação continuarão inspirando todos nós”, conclui o comunicado.

Benevolente’
Nos últimos anos de vida, Michel Le Ven morou em um sítio em Ribeirão das Neves. “Ele adorava BH, Neves e a UFMG, que foi a sua segunda casa. Sempre falou da UFMG com muito orgulho”, diz a filha, a assistente social Mônica Le Ven.

De acordo com ela, o pai “alimentava a esperança de um mundo melhor e lutava contra as injustiças”. Mônica também se recorda de Michel como um homem de diálogo, que sempre defendia suas opiniões com muita serenidade. “Esse é o legado que ele deixa. Também foi um pai incrível e um avô especial, brincalhão”, diz ela. Ainda sobre o pai, Mônica recorreu a um comentário de um de seus filhos, de seis anos, que empregou uma palavra que acabara de aprender para definir o avô. “Adoro o meu avô, porque ele é muito benevolente", disse o neto.

Michel Le Ven deixa a esposa, Roseli, os filhos Jean, Pedro e Mônica, além dos netos João Pedro, Gustavo e Davi.

Flávio de Almeida