A poesia do agora
A Editora UFMG tirou do prelo um livro que pretende, se não iluminar, ao menos lançar lampejos sobre um dos temas literários mais obscuros da atualidade: a Poesia contemporânea. O volume – que recebeu o subtítulo Voz, imagem, materialidades – reúne textos em que uma tríade de ensaístas investiga as condições de produção, circulação e recepção da poesia na contemporaneidade.
O escritor Daniel Link, professor da Universidad de Tres de Febrero, na Argentina, abre o volume com A poesia na época de sua reprodutibilidade digital, ensaio em que dá sequência a uma série de textos que aludem a Walter Benjamin e a seu ensaio A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. Link busca repensar a relação entre arte e vida à luz do contemporâneo, os limites da nossa cultura – “seus umbrais de transformação” –, e, para isso, mobiliza o pensamento de Georges Bataille, Gilles Deleuze, Félix Guattari e Giorgio Agamben, discutindo, a partir deles, aquela que talvez seja a “menina dos olhos” do pensamento contemporâneo: a biopolítica.
“Link vê o poético como embate com os limites da subjetividade, da cultura, da história, nelas abrindo espaço para o enigmático e o monstruoso, isto é, para o que desafia as formas institucionalizadas de nomeação e hierarquização”, afirmam as organizadoras Celia Pedrosa e Ida Alves, na apresentação do livro. Ambas são professoras da Universidade Federal Fluminense, onde os ensaios foram originalmente apresentados como conferências.
É o próprio ensaio de Daniel Link, na medida das referências remontadas, que inspira o segundo ensaio do volume, escrito por Marjorie Perloff, professora na Universidade da Califórnia do Sul, nos Estados Unidos. “Daniel Link tem uma trajetória assumidamente transgressiva; é uma marca dele”, lembra Celia, em referência ao fato de o pensador argentino ser ao mesmo tempo escritor e acadêmico.
Em 2013, Marjorie Perloff já havia publicado pela Editora UFMG o livro O gênio não original, em que desassocia genialidade e mérito da ideia de originalidade e analisa o caráter apropriativo de obras poéticas modernas e contemporâneas. Agora, em A poesia conceitual e a questão das emoções, a ensaísta norte-americana parte da obra The clock, de Christian Marclay, para, deslocando-se da arte conceitual para a poesia conceitual, se aprofundar na reflexão sobre procedimentos criativos como a articulação de fragmentos, a citação, o rearranjo, a montagem, a recontextualização e a reciclagem, procedimentos próprios de um tempo em que o computador é importante ferramenta de produção e a internet atua como forte dispositivo de criação.
Em uma genealogia desses procedimentos, Perloff alcança T. S. Eliot nos anos 1920, em The waste land (A terra desolada, na tradução de Ivan Junqueira), para pensar o poema como precursor da “modernidade como gesto que desestabiliza os próprios cânones modernos de originalidade e autonomia artística, constituindo-se como articulação anacrônica de fragmentos textuais de origens as mais diversas”, explicam as organizadoras.
Fechando o volume, Osvaldo Silvestre, professor da Universidade de Coimbra, em Portugal, aborda O livro de poesia como crítica do livro em papel e do e-book, em ensaio denominado Back to the future. No texto, o diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Coimbra analisa as relações entre a escrita, a prática da literatura e a materialidade do livro.
O fim do livro impresso, antevisto como consequência da popularização de outros suportes, é problematizado por Silvestre. “Ao constatar, ao contrário, a sobrevivência do livro, [Osvaldo] evidencia a necessidade de uma perspectiva que, em vez de incorrer no viciado mecanismo de busca do velho no novo, se direciona para a busca do novo no velho”, analisam as organizadoras.
Poesia contemporânea: voz, imagem, materialidades
Autoras: Celia Pedrosa e Ida Alves
Editora UFMG
168 páginas / R$ 34