Entre microscópios e escritórios
Um dos mais influentes cientistas do mundo, físico da UFMG transita com desenvoltura por atividades de pesquisa e de gestão
Ele é capaz de manter a concentração “em lugares inóspitos”, costuma brincar uma cunhada, fazendo alusão a almoços de fim de semana povoados de crianças em plena algazarra. Essa e outras habilidades – como a de mudar o foco de um assunto para outro instantaneamente e sem prejuízo – ajudam a explicar a bem-sucedida carreira do professor Ado Jorio, do Departamento de Física do Instituto de Ciências Exatas (ICEx). Já multipremiado aos 43 anos, ele acaba de entrar em lista dos cientistas mais influentes do mundo, elaborada pela agência Thomson Reuters, com base em citações em artigos científicos.
Dedicado ao desenvolvimento de métodos e equipamentos de espectroscopia ótica para caracterização de nanoestruturas, como um microscópio de ultra-alta resolução, Ado Jorio tem participação em oito patentes sobre o tema. E tem levado as conquistas de suas pesquisas a campos insuspeitados: colabora em projetos que visam – sempre por meio da nanoespectroscopia ótica – definir propriedades de fertilidade de solos e contribuir para o diagnóstico precoce da Doença de Alzheimer, com base em exames intraoculares. “Minha vontade de interagir com outras áreas é movida pelo interesse de aprender. Gosto de aplicar o que sei em campos dos quais não conheço nada”, ele diz.
Sua inquietação também se manifesta quando se afasta um pouco de laboratórios e salas de aula para desempenhar atividades de gestão. Há cerca de um ano, o professor vive a primeira experiência como chefe do Departamento de Física. “É trabalho dobrado, mas conto com a colaboração fundamental de outros pesquisadores e de ótimos estudantes”, afirma Ado, que, não faz muito tempo, esteve à frente da Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), da UFMG. Fora da Universidade, coordenou estudos sobre medidas nano no Instituto Nacional de Metrologia (Inmetro), onde produziu alguns dos trabalhos mais citados da instituição.
Criatividade e liderança
Amigo de infância e vizinho de Jorio no Instituto de Ciências Exatas, o professor Luiz Chaimowicz, do Departamento de Ciência da Computação, exalta a amplitude e o caráter institucional da atuação do físico. “Ele sempre foi muito tranquilo e de ótimo trato, o que explica a facilidade de manter tantas colaborações produtivas”, diz Chaimowicz, referindo-se a uma vasta rede que abarca instituições dentro e fora do Brasil. Uma delas é o Massachussets Institute of Technology (MIT), onde fez o pós-doutorado e cultivou parcerias duradouras. “Ado Jorio é conhecido por sua criatividade, capacidade de liderança e visão acerca do futuro da nanociência”, exalta a professora Mildred Dresselhaus, do MIT, doutora honoris causa da UFMG.
Ado nasceu em Belo Horizonte, em uma família de quatro irmãos, e passou por oito escolas nos 11 anos do ensino básico. Isso é explicado, em parte, por mudanças de residência e pelo alto grau de exigência da mãe educadora, mas ele admite que chegou a criar problemas de disciplina em uma ou duas escolas. Começou a graduação na engenharia elétrica, mas se transferiu para a física depois de uma iniciação científica movida pelo interesse em ondas sonoras. Hoje, faz o caminho de volta, envolvido em investigações ao lado de pesquisadores da engenharia.
Casado e pai de duas meninas, Ado não dá muito espaço para atividades fora do trabalho. “Sou monofocado. Quando treinava polo aquático na adolescência, eram quatro horas por dia. Mergulhei na Física e trabalho muito, não há alternativa em se tratando de competição global na ciência de ponta”, justifica. Mas ele consegue se distrair um pouco das pesquisas. Conta que gosta de ficar com a família, toca “mal” teclado, flauta, violão e bateria, adora viajar, “desde que não seja a trabalho”, e ainda lê romances e obras sobre política.
Haja concentração, entre atenção aos microscópios, orientação de alunos, assuntos do departamento e as ações relacionadas à transferência de tecnologia. A propósito, Ado Jorio comenta que há um caminho longo a percorrer no Brasil. “Especialmente na minha área, a ciência que produzimos ainda é muito mais absorvida no exterior. Nosso ecossistema de inovação não está bem desenvolvido, o parque industrial brasileiro não atingiu o grau tecnológico necessário”, observa.