Atenção à saúde mental é fundamental durante período de isolamento social
Para o psicólogo Fabrício Belo, professor do Departamento de Psicologia da UFMG, falas como a de Jair Bolsonaro também são fonte de estresse e ansiedade
A crise do novo coronavírus não ameaça apenas a saúde física da população. Também é necessário ter cuidado com a saúde mental. As incertezas provocadas pela pandemia, os riscos de contaminação e a recomendação de isolamento social podem agravar ou gerar sofrimento mental, como alerta a Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade, inclusive, divulgou uma espécie de guia para que as pessoas evitem ficar com medo, estressadas ou ansiosas nesse período.
O medo será absolutamente presente durante este período, de acordo com o psicólogo Fábio Belo, professor e pesquisador do Departamento de Psicologia da UFMG. "Talvez nesse momento inicial, [seja] um pouco como férias, pelo menos pra classe média, um certo tempo de descanso, de não trabalho. Mas, para as classes oprimidas, trabalhadoras, já há uma ameaça real às condições básicas de existência”, afirmou.
Moradores de rua e pessoas que não podem trabalhar de forma remota sofrem, de forma mais intensa, com os impactos sociais e psíquicos da pandemia. “Não há nenhuma medida efetiva, a princípio, por parte do presidente nem por parte do Congresso para garantir renda mínima a todos, de ajuda também aos empresários para garantir o pagamento de salários desses trabalhadores, nenhuma medida de taxação das grandes fortunas", pontuou Belo.
Neste momento, segundo o psicólogo e pesquisador, é ainda mais fundamental também a atenção a pessoas que já apresentam histórico de transtornos relativos à saúde mental. Com o distanciamento social, os atendimentos psicológicos por telefone e on-line tornam-se alternativas importantes.
"A saúde mental não entra de férias. Não há trégua, nem nessas situações de estresse muito agudo. Parece férias, parece que é possível descansar, não trabalhar, mas, nesses casos, em que há um clima de grande incerteza, a gente pode esperar um aumento também da ansiedade, da depressão e dos efeitos disso, como tentativas de autoextermínio", alertou.
Medidas para manter a saúde mental
Segundo Fábio Belo, algumas medidas devem ser adotadas pelas pessoas que vão ficar mais tempo dentro de casa, para manter a saúde psíquica. A primeiro delas, segundo o professor, é limitar o acesso a notícias sobre a pandemia.
"A gente está conectado o tempo todo, no Facebook, Instagram, Youtube. [É preciso] evitar isso. Escolher um ou dois canais de informação e determinar um certo tempo de leitura dessas notícias. Parece que a gente vai ganhar se informando mais, mas [consumir informações] o tempo todo, o dia inteiro, é altamente estressante", recomendou.
Estudos sobre isolamento, segundo o pesquisador, demonstram que manter rotinas também é fundamental para evitar e controlar a ansiedade e a depressão. Acordar cedo, limpar a casa, ter horário para se alimentar, limpar a casa, lavar vasilhas são algumas dessas rotinas essenciais.
"Um elemento novo é a possibilidade de criar práticas e hábitos novos: cursos on-line, desenhos, pinturas, práticas meditativas, esportivas. Tudo isso dentro de casa, claro. Há varios canais no Youtube, no Instagram, aplicativos que permitem fazer uma ginástica acompanhada por alguém", destacou.
No entanto, o especialista alerta que também é preciso tomar cuidado com uma demanda produtivista que tem circulado pelas redes sociais.
"É momento de calma, de tentar manter uma rotina, um certo tempo para cada atividade. É óbvio que também vamos aproveitar esse tempo que aparece para descansar, para não produzir. Lembrar do tempo livre como tempo também do brincar, do movimentar, da conversa. As tecnologias permitem hoje que a gente converse bastante e mantenha as relações de amizade", lembrou.
Discurso de Jair Bolsonaro
Algumas falas, inclusive de autoridades, como o discurso do presidente Jair Bolsonaro na noite dessa terça-feira, 23, contradizem as recomendações mundiais de especialistas e também podem aumentar o cenário de dúvidas e incertezas. Para Fábio Belo, são falas que ampliam a sensação de tensionamento, que teve início ainda nas eleições.
"Não é possível deixar de fazer um diagnóstico [da fala] do presidente. É quase inevitável para nós, do campo da psicologia, não diagnosticar. Há alguma coisa da psicopatia mesmo presente nesse discurso, que privilegia a economia à vida”, analisou o professor, para quem esse tipo de discurso faz uma escolha deliberada: o lucro em detrimento da saúde da população.
“[É] um discurso que vai aparecer não só [na fala do] presidente, mas também do Roberto Justus, do dono da Havan e o dono da rede Madero de restaurantes e outros grandes empresários. Todos eles já idosos, a partir dos 60 anos, ou seja, grupo de risco, e se acham absolutamente imunes ao vírus, porque são ricos. Por meio desses discursos, estão dizendo que não é preciso acreditar na ciência”, avaliou.
Falas como essas, segundo Belo, são também fonte de muita ansiedade em momentos como o atual.
“O presidente faz um desserviço enorme, causando uma das fontes de estresse neste momento, que é a produção de fake news e de informações equivocadas. A gente precisava de um discurso governamental tal como foi feito pelo presidente francês, Emmanuel Macron, ou como o da chanceler alemã Angela Merkel, que foram contundentes no sentido de propor contenção, quarentena, ajuda às classes trabalhadoras e aos mais necessitados”, pontuou.