'Não existe hierarquia entre as ciências'
Inspirados no tema da 73ª Reunião da SBPC, pesquisadores da UFMG refletem sobre os valores que unem todas as áreas do conhecimento
A 73ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que está sendo realizada nesta semana, termina no próximo sábado, dia 24. Entretanto os debates sobre o tema da edição de 2021 do encontro estão muito longe do fim. Com o mote Todas as ciências são humanas e essenciais à sociedade, a SBPC provoca a comunidade científica e a sociedade a refletirem sobre certa hierarquização preconceituosa presente no meio acadêmico, segundo a qual as ciências humanas teriam menor importância e relevância social.
A enfermeira indígena Adriana Fernandes (Korã), doutoranda em Antropologia Social pela UFMG, sustenta: “não existe hierarquização entre as ciências, devemos sempre pensar em conciliação das diferentes áreas em favor da sociedade”. A pesquisadora sempre viveu isso na prática. Antes de ingressar no ambiente acadêmico e científico – da graduação em enfermagem ao doutorado –, Korã presenciou a mãe parteira e sua comunidade praticarem saberes tradicionais de cura e amparo em saúde típicos dos povos originários e comumente desmerecidos pelos não indígenas. No entanto, no curso de enfermagem, ela percebeu como diversos conhecimentos tradicionais são apropriados pelo pensamento científico.
O apagamento das produções científicas de determinadas culturas foi observado pela prestigiosa revista Science, que publicou um alerta em 2014: a história da ciência costuma apagar o pensamento científico não ocidental. Com isso, as sociedades se esquecem não só das contribuições orientais, mas também da pesquisa feita por mulheres, indígenas, pessoas negras, LGBT+ e demais grupos oprimidos.
Ascensão
Ao ter contato com a produção científica da antropóloga negra Lélia Gonzalez (1935-1994), a doutora em Ciência da Informação pela UFMG Gláucia Vaz (“mulher preta com muito orgulho”) percebeu que tinha um lugar para ocupar na ciência e na academia. A graduação em Biblioteconomia, o mestrado e o doutorado, todos realizados na Escola de Ciência da Informação, fizeram de Gláucia uma pesquisadora e professora universitária que produz conhecimento com base nas demandas sociais.
Os anos que ela viveu no prédio da Escola de Ciência da Informação –reconhecido em 2019 pela revista City Guides como um dos 25 mais belos espaços para se conhecer na capital mineira – só foram possíveis porque o arquiteto Eduardo Fajardo Soares, técnico da UFMG, projetou com outros colegas cada degrau que Gláucia subia para as salas de aula em busca de ascender degraus no meio acadêmico. Para Soares, a informática foi a grande descoberta científica que mudou a vida dele e de toda a humanidade, possibilitando que não só projetos arquitetônicos fossem desenvolvidos com mais facilidade, mas que a ciência fosse compartilhada por meio de tantas formas de comunicação.
Foi justamente pelo campo da comunicação que a jornalista e doutoranda em Comunicação Social pela UFMG Mariana Silva se apaixonou. Para ela, a internet é a maior descoberta científica até o momento. Em sua visão, as possibilidades de conexão abertas pela rede mundial de pessoas e de computadores criam meios para a garantia de direitos, qualidade de vida, justiça social e bem-estar.
O estudante da graduação em Zootecnia Tulio Alkmin, do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, é beneficiário desse universo descortinado pela internet. Por meio dela, ele conseguiu ter acesso a estudos científicos que evidenciavam a existência de relações sexuais e afetivas homossexuais entre dezenas de espécies animais. Para o graduando Alkmin, interessado por ciência desde antes da iniciação científica na Universidade, descobrir que o ser humano não está só em orientações sexuais e afetivas não heterossexuais no reino animal foi libertador: “Isso me ajudou a me entender como homossexual e a me aceitar como eu sou”.
Ciência melhora a vida
De acordo com a vice-diretora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, Thaís Porlan, “todas as ciências são humanas, porque elas são produzidas por humanos, para humanos e são um importante comportamento humano, inserido na vida das pessoas, de diversas formas”. A pesquisada da Fafich destaca que, independentemente do campo do conhecimento por meio do qual uma produção científica é realizada, todas as ciências buscam a melhoria da vida individual das pessoas, da sociedade e do meio ambiente.
A posição da professora Thaís, com carreira científica madura, iniciada em meados dos anos 1990, é compartilhada por aqueles que se iniciam na vida científica. "A ciência melhora vidas, e é por isso que nós precisamos defendê-la e entender que um país sem investimento em ciência é um país que não evolui", analisa Mariana Silva.
Equipe: Daniel Mendes, Marcelo Duarte (edição de imagens); Ruleandson do Carmo (produção e edição de conteúdo).