Educação superior não pode mais ser vista como privilégio, afirmam participantes da Cres 2018
Declaração final da Conferência de Córdoba reforça compromisso com a educação como direito universal e dever do Estado
A educação superior é direito humano universal, bem público e dever do Estado, e não pode mais ser percebida como privilégio. Essa afirmação dá bem o tom Declaração Final (leia abaixo em arquivo pdf) da III Conferência Regional de Educação Superior para a América Latina e Caribe (Cres 2018), apresentada ontem (quinta, 14), na cerimônia de encerramento do evento, em Córdoba, Argentina. O documento foi lido pelo reitor da Universidade Nacional de Córdoba (UNC), Hugo Juri, que é também presidente do Conselho Interuniversitário Nacional (CIN) da Argentina.
Juri estava ao lado do coordenador geral da Cres, Francisco Tamarit, e do diretor do Instituto Internacional da Unesco para a Educação Superior na América Latina e Caribe (Iesalc) e coordenador da Conferência, Pedro Henríquez Guajardo. Os dois apresentaram, alternadamente, os princípios dos sete eixos temáticos da Conferência.
O documento final da Cres 2018 é uma espécie de carta de princípios, que contém as ideias e valores a serem defendidos e praticados pelas universidades e instituições de ensino superior públicas da América Latina e Caribe. A declaração também enumera as responsabilidades e compromissos a serem assumidos pelas instituições de ensino e pelos governos.
Além da Declaração Final, outros dois documentos serão produzidos, um deles com as recomendações da Cres, espécie de plano de ação, e outro com as proposições reunidas ao longo de toda a Conferência. De acordo com Francisco Tamarit, foram registradas mais de 400 recomendações.
“As críticas e contribuições são muito bem-vindas. Creio que demonstramos ao longo desses dias o quanto a participação é parte da vocação desta Conferência. Temos demonstrado que é preciso abandonar o mito da iluminação acadêmica”, afirmou Pedro Guajardo.
Educação como direito
A declaração reconhece que avanços têm sido conquistados, mas alerta que parcelas importantes da comunidade não têm acesso a direitos básicos – água potável, saúde e educação –, e milhões de crianças, jovens e idosos da América Latina e Caribe vivem em estado de exclusão.
O documento destaca que a internacionalização e a visão mercantilista têm afetado o direito social à educação e convoca a região para rever e reverter esta situação. A declaração determina que se estabeleça o acompanhamento rigoroso para a oferta da educação em todos os níveis, reiterando que os Estados têm que adotar instrumentos de regulação das instituições públicas e privadas, promovendo o acesso universal, permanência e titulação, com inclusão e pertinência.
Gratuidade e autonomia
Os princípios da gratuidade do ensino e da autonomia universitária também são reiterados pela Declaração Final da Cres 2018. O documento reafirma que as instituições de ensino superior devem se abrir e promover um diálogo de saberes, reconhecendo e interagindo com outros atores e formas de produção do conhecimento da sociedade.
O documento reconhece que as diferenças econômicas, tecnológicas e sociais entre os hemisférios Norte e Sul têm aumentado, que o livre intercâmbio de mercadorias tem prosperado, e esse cenário amplia as desigualdades, afetando ainda mais as comunidades mais pobres de toda a região.
Igualdade e protagonismo
A Declaração Final ainda conclama as e instituições de ensino superior a se repensarem, seguindo os princípios da Reforma Universitária de Córdoba e tornando-se cada vez mais democráticas, e a assumirem efetivamente o papel de protagonistas na transformação social, atuando para construir sociedades igualitárias, plurais e inclusivas.
O texto chama a atenção para a desigualdade de gênero, destacando que as mulheres precisam ser valorizadas como sujeitos de direito, inclusive dentro das próprias universidades e instituições de ensino superior.
Há também um questionamento e uma convocação para que as instituições reflitam sobre como elas contribuem para transformar a sociedade, para promover o livre debate, a igualdade, o respeito humano, a luta contra as arbitrariedades e a defesa incondicional da democracia. A declaração afirma que as instituições precisam ser e estar comprometidas com a transformação social.
Materialidade das recomendações
Para a docente Giovana Reis, da Universidade Federal de Goiás, representante do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do estado, o Sintego, o documento incorporou uma série de preocupações dos sindicalistas com relação à manutenção da defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade social, inclusiva. “Na minha avaliação, o resultado final da Cres foi positivo. Para nós, do Brasil, o documento é até melhor do que esperávamos. Ele incorporou preocupações do movimento sindical e também das administrações das universidades”, destaca.
Vanessa Ishikawa Rasoto, vice-reitora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), considera que a Declaração Final da Cres 2018 é um “marco histórico”. Ela destaca, contudo, que é preciso assegurar materialidade ao documento. “Espero realmente que consigamos trabalhar com união e paz em prol do desenvolvimento econômico e social da América Latina e Caribe. Esse documento vem na hora certa, mas é necessário que ele se transforme, de fato, em política pública, sobretudo no Brasil.”
O trabalho de sistematização das propostas apresentadas ao longo da Cres 2018 deve ser concluído em dois ou três meses. E, ao final, deve ser convocada uma reunião do Conselho de Reitores da América Latina e Caribe para referendar o documento e transformar as recomendações em planos de ação concretos.
Para o reitor da UNC, é necessário que a Cres não se encerre com o término do encontro em Córdoba. “É preciso que tenhamos atividades do pós-Cres. A Conferência não pode ser apenas uma foto, deve ser um filme da educação superior na América Latina e Caribe”, afirmou Hugo Juri.