Especialistas da UFMG avaliam uso de ventilador compartilhado em situações extremas
Alternativa foi usada na Itália em momento crítico da pandemia
O pico da pandemia de coronavírus no país ainda está por vir. Para evitar a escassez de estrutura básica de atendimento, várias iniciativas têm surgido. Uma delas é o uso compartilhado de ventiladores para atender até quatro pessoas. A ideia propiciaria uma vantagem significativa no processo, aliviando a saturação de equipamento nos grandes centros. Porém, especialistas advertem que é preciso avaliar bem as variáveis da ação proposta, antes de colocá-la em prática, sob o risco de agravar situações.
O ventilador mecânico é usado para tratar os casos mais graves da Covid-19, quando o paciente apresenta síndrome respiratória grave, quadro que compromete o funcionamento do pulmão. “Ele fica encharcado de líquido, o que dificulta a respiração e a troca gasosa (processo que leva oxigênio e elimina o gás carbônico). Como o esforço para manter essa troca é muito grande, o paciente precisa de respiradores artificiais”, explica a professora Maria Aparecida Camargos Bicalho, do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da UFMG.
Esses aparelhos normalmente ficam disponíveis em leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Mas, se houver grande procura antes que o sistema de saúde esteja preparado, é possível que falte. Esse foi o caso da Itália, que chegou a registrar 969 óbitos em apenas um dia. Boa parte deles por falta de respiradores.
Estudo experimental
Também veem da Itália relatos de uso compartilhado de ventiladores em situação extrema de escassez. Mas a professora Maria Aparecida Camargos alerta que o compartilhamento não é aprovado e, por isso, pode ser uma saída apenas para situações de catástrofes, quando todos os recursos foram exauridos e não houver mais possibilidade de respiradores. “Não há estudo aprovando a eficácia. O que temos são experimentos com pulmões artificiais”, salienta.
O estudo experimental foi publicado em 2006 e baseia-se em situações de desastres, como terremotos que ocorrem na costa americana e o próprio atentado de 11 de setembro de 2001, em Nova York. De acordo com a pesquisa, seria possível ventilar até quatro pessoas com o uso de tubos e conexões, durante quase seis horas, até que outro respirador chegue.
“Não sabemos dimensionar o risco de contaminação, e não seria possível realizar o processo em pulmões de tamanhos muito diferentes (de uma criança e de um adulto, por exemplo), nem individualizar parâmetros para ventilação”, afirma Maria Aparecida. São considerados parâmetros, por exemplo, o volume de ar ofertado ao paciente, pressão, frequência respiratória e quantidade de oxigênio, que variam de acordo com a necessidade de cada paciente.
“Por isso, seria um uso em situação extrema e, mesmo assim, uma decisão difícil de tomar, que deve se embasar em parecer das sociedades médicas e autorização das famílias. Espero que nunca precisemos disso”, afirma a professora.
Cautela
Do ponto de vista mecânico, o compartilhamento do respirador seria viável e de custo reduzido, de acordo com o professor Rudolf Huebner, da Escola de Engenharia da UFMG. “É uma peça muito simples, que chamamos de divisor de fluxo. Mas, nem de longe, é uma solução ideal. Os pacientes teriam de ter quadros muito parecidos, além de contar com acompanhamento de um médico e um engenheiro mecânico”, afirma.
Para Huebner, estratégias como a criação de novos equipamentos ou o compartilhamento devem ser desenvolvidas com muito cuidado, para que a segurança dos pacientes seja garantida. “A universidade tem o papel de nortear decisões e somar esforços para enfrentar o problema. É possível, por exemplo, desenvolver protótipos para a construção de ventiladores, mas é preciso verificar uma série de variáveis e submetê-las à aprovação para garantir a segurança, o que pode levar bastante tempo”, avalia.
Rudolf Huebner coordena grupo da UFMG encarregado de estruturar uma proposta para reparo de ventiladores desativados em Minas Gerais. “O que estamos tentando fazer, em parceria com o Senai e outras indústrias, é avaliar a oferta de ventiladores e identificar quais estão funcionando, quais estão parados e o que precisa ser feito para deixá-los disponíveis para os hospitais", explica o professor.
Conforme dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde, dos 6.289 ventiladores mecânicos existentes em Minas Gerais, 5.950 estão em uso em hospitais públicos, particulares e ambulâncias. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES), a manutenção dos equipamentos é de responsabilidade dos hospitais.
Versão ampliada desta matéria pode ser lida no portal da Faculdade de Medicina.